O Presidente da República condecorou esta segunda-feira o escritor Mário de Carvalho com a Grã-Cruz da Ordem do Infante, um “reconhecimento público do muito feito por Portugal” em “40 anos de dedicação à literatura”.

Marcelo Rebelo de Sousa atribuiu as insígnias da Grã-Cruz da Ordem do Infante D.Henrique ao escritor, de 77 anos, durante uma homenagem na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

No final, em declarações aos jornalistas, o Presidente da República afirmou que “é a condecoração a uma obra e uma vida”.

São 40 anos de dedicação à literatura, de reinvenção da literatura, de tornar a literatura próxima das pessoas e tornar a literatura uma realidade viva”, salientou.

Marcelo Rebelo de Sousa apontou também que Mário de Carvalho “teve uma vida intensíssima, lutou na política, lutou durante a ditadura, lutou pela afirmação da democracia e manteve uma vontade de acreditar que transmitiu em 30 obras, até agora, aos seus leitores, leitores fiéis porque o entendem, porque ele fala do quotidiano, do dia a dia, mas também do fantástico, do que as pessoas sonham para além do dia a dia”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“E, por isso, nunca cansa. E há aqui um reconhecimento público do muito feito por Portugal e pelos portugueses”, indicou o chefe de Estado.

A Ordem do Infante D. Henrique destina-se a distinguir quem tenha “prestado serviços relevantes a Portugal, no país e no estrangeiro, assim como serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua História e dos seus valores”, de acordo com o portal das ordens honoríficas portuguesas.

No seu discurso durante a homenagem, o Presidente da República disse que fez “questão de estar presente” e de “acrescentar à homenagem um reconhecimento público” a um “ficcionista nato que recuperava o prazer antigo da literatura e da linguagem literária”.

Tantas vezes classificado como inclassificável, tão depressa histórico quanto fantástico, paródico ou quotidiano, Mário de Carvalho nunca mais deixou de nos trazer inauditos casos, contos, fábulas, matéria romanesca mas também matéria de esplêndidos contos e novelas de teatro e guiões de cinema, como se nenhuma arte de narrar lhe fosse estranha”, considerou Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe de Estado elencou também que Mário de Carvalho foi “estudante oposicionista, militante clandestino, preso político exilado, advogado, homem de causas, comprometido por necessidade histórica, sentido de justiça ou afinidade mesmo quando, como confessou, somos ilusões perdidas e deceções evitáveis ou inevitáveis”.

“Quarenta anos de dedicação a várias formas de realidade, ao saber contar histórias, ao português escrito com verve e brio, mas ao mesmo tempo 40 anos acompanhados de um misto de humildade, de simplicidade, de querer apagar os méritos próprios”, apontou o Presidente, dando como exemplo as “duas ultimas páginas da sua última obra”.

E recorreu a uma citação dessa obra, em que o autor refere que “podia ter-lhe chamado livro do esquecimento”, para questionar “qual esquecimento, Mário de Carvalho?”.

“Não certamente do Presidente da República e dos portugueses, e por isso lhe vou entregar as insígnias da Grã-Cruz da Ordem do Infante, a que tem direito”, anunciou Marcelo Rebelo de Sousa.

Na cerimónia, o autor assinalou que nas quatro décadas desde que ingressou no “mundo da literatura”, os livros “têm-se sucedido com a cumplicidade sempre bem vinda dos editores e a benevolência amável dos leitores”.

Mário de Carvalho recordou “a agitada ansiedade” que o tomou aquando da edição da sua primeira obra, apontando que, depois, “à exaltação da novidade foi-se seguindo, livro a livro, uma expectativa mais serena e às vezes mesmo distraída”.

“Com um ou outro percalço — é a vida — ao fim de todo este tempo não sobra matéria para grandes razões de queixa. Como diz uma personagem de Eça de Queirós, fazem-me o favor de me estimar”, afirmou, apelidando-se de um “escritor feliz”.

Mário de Carvalho agradeceu também ao Presidente da República, apontando que “dá mais um sinal de louvável interesse pelas coisas da cultura, em contracorrente de um espírito dominante que as tende a ignorar ou ocultar”.

Nascido em Lisboa, em 1944, combatente da ditadura, que o levou à prisão, Mário de Carvalho estreou-se na literatura aos 37 anos, com “Contos da sétima esfera”, publicados em 1981.

Desde então, entre romance, novela, conto, ensaio, crónica, teatro e literatura para a infância, soma mais de 30 títulos, entre os quais se encontram “Um deus passeando pela brisa da tarde”, “A inaudita guerra da avenida Gago Coutinho”, “Os alferes”, “Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto”, “Apuros de um pessimista em fuga”, “Fantasia para dois coronéis e uma piscina” e “Se perguntarem por mim, não estou seguido de Haja harmonia”.