A associação de clientes lesados pelo BPP considera que a comissão de liquidação do banco não cumpre a ordem imposta pelo tribunal de indicar quanto cada credor tem a receber, após a consulta do processo no Tribunal de Comércio.
Em setembro, a Associação Privado Clientes fez uma manifestação frente à sede da Comissão Liquidatária do Banco Privado Português (BPP), em Lisboa, contra o arrastar do processo de liquidação há 11 anos, acusando a comissão de não prestar a informação a que está obrigada e a exigir pagamentos aos credores, ainda que parciais.
Clientes lesados do BPP protestam contra arrastar da liquidação que dura há 11 anos
Uns dias depois, em anúncio no Expresso, a Comissão Liquidatária do BPP veio prestar esclarecimentos sobre o processo, disse que “cumpriu sempre, escrupulosamente, as funções que lhe são legalmente cometidas”, que já fez 40 relatórios trimestrais sobre o estado da liquidação (que a grande maioria encontra-se junta ao processo de liquidação, aguardando outros o visto da Comissão de Credores para serem igualmente juntos) e que não pode fazer pagamentos parciais aos credores comuns enquanto não pagar toda a dívida ao Estado.
Após esta informação, a Associação Privado Clientes pediu a consulta do processo no Tribunal do Comércio e disse, em documentação enviada à Lusa, que “não se verificam os tais ’40 relatórios trimestrais’ no processo principal” e que só em setembro deste ano, “passados cinco dias após publicação do comunicado no Expresso” foram “assinados e juntos” ao processo mais oito relatórios.
A associação diz ainda que, “antes que a Comissão Liquidatária tente justificar a sua inércia – ou a falta de transparência -, afirmando que os tais relatórios foram apresentados em outro processo (apenso)”, o tribunal determinou em maio deste ano que “tais informações sejam prestadas no processo principal”.
A associação de lesados do BPP afirma ainda que, da consulta do processo, “fica por responder onde está o mapa de rateio”, que já foi exigido pelo tribunal. O mapa do rateio tem a distribuição dos montantes que os credores têm a receber.
Em setembro, no anúncio do Expresso, a Comissão Liquidatária disse há 6.000 credores que têm a receber quase 1.600 milhões de euros, dos quais 450 milhões de euros são créditos garantidos (do Estado), 950 milhões de euros de créditos comuns e 200 milhões de euros de créditos subordinados.
Já os ativos líquidos, aquando da liquidação do banco, valiam 700 milhões de euros, pelo que o BPP tinha uma situação líquida negativa de 900 milhões de euros, “o que resulta, desde logo, na impossibilidade de satisfação integral de todos os créditos comuns reconhecidos”, avisou a Comissão Liquidatária.
Sobre pagamentos, a Comissão Liquidatária disse que dos 450 milhões de euros devidos, pagou ao Estado 305 milhões de euros diretamente, a que se somam 100 milhões de euros resultantes da afetação de outros ativos do BPP e de terceiros, assim como ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores.
Quanto a outros pagamentos, afirmou que “não se encontram reunidos os requisitos legais para a execução dos rateios parciais”, pois enquanto o “principal credor garantido [o Estado] não for integralmente pago, não pode dar início ao pagamento a credores comuns” e que isso “estará sempre sujeito a autorização do tribunal”.
Segundo a Associação Privado Clientes, com esta atuação a Comissão Liquidatária não está a cumprir uma ordem do tribunal que, em dezembro de 2020, segundo o processo, ordenou o mapa do rateio parcial das quantias depositadas e a sua publicação.
A Associação Privado Clientes diz que, em março de 2021, a Comissão Liquidatária “ousou divergir do Tribunal”, ao dizer que não estavam reunidos os pressupostos para proceder à elaboração de mapa de rateio, argumentando que pagamentos a credores comuns só poderão vir depois de pago o Estado na totalidade, o que ainda demorará.
Contudo, diz a Privado Clientes que o tribunal não aceitou esta justificação em despacho de maio.
Já em 6 de outubro, segundo a Associação Privado Clientes, a Comissão Liquidatária em resposta ao tribunal recusou novamente essa obrigação, afirmando que o despacho do tribunal não determinava essa obrigação e pedindo ao tribunal que peça ao Estado a indicação dos valores recebidos para apuramento da dívida ainda remanescente.
Para a Privado Clientes, esta atuação da Comissão Liquidatária “serve apenas para que o BPP em liquidação continue a se desenvencilhar da obrigação que há muito lhe foi imposta pelo Tribunal: apresentar o mapa de rateio das quantias à sua disposição”.
“Portanto, verifica-se da consulta ao processo principal que a Comissão Liquidatária, lamentavelmente, continua a descumprir suas obrigações e os despachos do Tribunal, parecendo querer se perpetuar no cargo às custas dos credores, que permanecem à espera de informações”, vinca a Associação Privado Clientes.
Ainda da consulta do processo, diz a associação de clientes lesados do BPP que continua sem perceber em que “foram gastos cerca de 45 milhões de euros“ pela Comissão Liquidatária em custos de gestão.
Refere ainda que, ao ler o processo, ficou a saber que, em 2016, a Comissão liquidatária pediu autorização para fazer aumentos salariais, mas que, “para sorte dos credores, o Banco de Portugal refutou os argumentos da Comissão e negou a necessidade de qualquer aumento na remuneração”.
A Associação Privado Clientes cita a resposta do Banco de Portugal, segundo a qual a remuneração já tinha sido revista em 2011, que o nível de trabalho efetivo é menor do que no início do processo de liquidação e que “a finalidade de qualquer processo de liquidação é o pagamento aos credores das instituições em liquidação, pelo que a alteração das regras de remuneração da comissão liquidatária sempre prejudicaria (ainda que de forma diminuta) os direitos daqueles”.
O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, verificou-se em 2010, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.
Apesar da sua pequena dimensão, o caso BPP teve importantes repercussões devido a potenciais efeitos de contágio ao restante sistema quando se vivia uma crise financeira, emergindo como caso judicial e de supervisão, pondo em causa a ação do Banco de Portugal. Deu-se então início ao processo de liquidação, que ainda decorre.
A Comissão Liquidatária do BPP, nomeada pelo Banco de Portugal, entrou em funções em maio de 2010, sendo então presidida por Luís Máximo dos Santos, o atual vice-governador do Banco de Portugal. Atualmente é presidida por Manuel Mendes Paulo, quadro do Banco de Portugal.
Apesar da intervenção estatal (450 milhões de euros de garantia), o BPP não deverá significar custos para os cofres públicos, uma vez que o Estado tem o estatuto de credor privilegiado. Outros credores continuam à espera de ser ressarcidos.
Entre esses estão os designados clientes de retorno absoluto, que através do BPP investiam dinheiro em sociedades, prometendo o banco capital garantido e remuneração (como se fossem depósitos).
Estes clientes recuperaram partes dos investimentos após terem criado um “megafundo” para gerir os seus ativos financeiros e cuja liquidação permitiu devolver-lhes parte do dinheiro. Contudo, segundo a Associação Privado Clientes, dos 3.000 clientes de retorno absoluto cerca de 300 ainda não receberam todo o valor investido, esperando a sua parte da massa falida.
Há também outros credores com dinheiro a haver, caso de depositantes acima 100 mil euros, assim como clientes que investiram em fundos de investimento e hedge funds.
O antigo presidente do BPP João Rendeiro, arguido em vários processos judiciais, envolvendo burla qualificada, falsificação de documentos e falsidade informática, foi condenado a três anos e seis meses de prisão efetiva num processo por burla qualificada (o único que transitou em julgado), e está em parte incerta, fugido à justiça.