O motorista que conduzia o carro onde seguia o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e que atropelou mortalmente um trabalhador na A6, foi acusado de homicídio por negligência e de duas contra-ordenações. Segundo o despacho de acusação a que o Observador teve acesso, o condutor seguia na via da esquerda a uma velocidade de 163 km/hora.
No processo que correu no Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora, e que já não está em segredo de justiça, a procuradora do Ministério Público diz que o motorista Marco Pontes não teve uma “condução segura”, conduzindo sempre pela via da esquerda e não prevendo como possibilidade o “embate da viatura”. O que veio a acontecer ao quilómetro 77,6 da autoestrada, no sentido Marateca. No carro estava o ministro, três outros ocupantes e o motorista. Vinham todos da Escola da GNR de Portalegre.
A investigação da GNR apurou que o motorista, que embateu com a parte lateral esquerda do carro no trabalhador que se encontrava no separador central, excedeu em mais de 40 quilómetros a velocidade prevista na lei. Concluiu também que, apesar dos trabalhos que decorriam junto à faixa lateral direita da autoestrada, não havia trânsito, que o local estava em bom estado e que em nada “se justificou a opção pela condução pela via da esquerda”.
O acidente ocorreu a 18 de junho de 2021 quando o carro em que seguia Cabrita atropelou Nuno Santos, de 43 anos, que integrava uma equipa de trabalhadores que se encontrava junto à faixa do lado direito da estrada. Nuno Santos teria ido ao separador central e estava a regressar para junto dos seus colegas quando foi colhido.
Relativamente a um dos pontos do acidente que gerou versões diferentes, o Observador sabe que o despacho refere que, no local do acidente, a via estava sinalizada e os trabalhadores devidamente equipados. No despacho de acusação, a que o Observador teve acesso, lê-se que “a atividade em causa estava devidamente sinalizado por veículo de proteção que no taipal de trás dispunha do sinal de trabalhos na estrada”. O documento refere ainda o facto de que, como “complemento”, o os trabalhos dispunham de um “sinal de obrigação de contornar obstáculos à esquerda e duas luzes rotativas, a qual se encontrava a cerca de 100 metros do local dos trabalhos”.
Uma conclusão que contradiz a versão do Ministério da Administração Interna. Recorde-se que, logo após o acidente, o MAI disse que não havia qualquer sinalização na estrada que alertasse os condutores para os trabalhos em curso e que estavam a ser executados por Nuno Santos e pelos colegas. Mas essa versão foi rapidamente contraditada pela própria BRISA, que assegurou “a sinalização dos trabalhos de limpeza realizados na berma direita da A6 [e que] estava a ser cumprida pela ArquiJardim”.
O motorista de Eduardo Cabrita foi ouvido no processo. Ao Ministério Público, segundo o despacho de acusação, Marco Pontes disse que “não [viu] sinais estáticos de sinalização na faixa de rodagem” e que tudo aconteceu numa fração de segundos. Quando se apercebeu da presença de Nuno Santos, buzinou para alertar o trabalhador colhido e ainda terá tentado desviar o carro, sem sucesso.
Advogado da família quer “responsabilizar o Estado”
Contactado pelo Observador, o advogado que representa a família da vítima explicou que espera que o caso siga diretamente para julgamento sem fase de instrução para poder avançar com o pedido cível de indemnização. “Talvez seja mais útil avançar para julgamento responsabilizando-se civilmente o Estado português, que o ato é personificado pelo ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita”, disse José Joaquim Barros ao Observador.
O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, já reagiu: “É o Estado de Direito a funcionar”, disse, definindo-se como “um passageiro”. “Condições de um atravessamento de via não sinalizada têm de ser esclarecidas no quadro do acidente”, frisou, pedindo que se “confie no Estado de Direito” porque “ninguém está acima da lei”.
A GNR recolheu entretanto pedaços de papel higiénico e material biológico do separador central que foi analisado.
Nota: artigo atualizado com a informação de que o carro em que viajava o ministro da Administração Interna seguia a 163km/h e não a 166km/h, como inicialmente referido