Uma investigação recente à relação entre a obesidade e o impacto da Covid-19 revelou um dado novo: o coronavírus aparenta atacar especialmente o tecido adiposo (ou tecido gordo) do corpo, alojando-se aí e potenciando inflamações que depois originam doença grave e, em vários casos, a morte.

Esta é mais uma peça que ajuda a decifrar o puzzle da relação entre a obesidade e os riscos de morte e de desenvolvimento de doença mais grave em caso de infeção pelo novo coronavírus.

Já se sabia, por exemplo, que a probabilidade de uma pessoa infetada pelo SARS-CoV-2 terminar no hospital é 113% mais alta caso esta sofra de obesidade, que a probabilidade de ter de ser tratada numa unidade de cuidados intensivos é 74% maior caso seja obesa e que a probabilidade de morrer na sequência da infeção se torna 48% maior.

Esta investigação recente, que não foi revista por pares nem publicada por uma revista científica — mas que tem como uma das líderes uma académica do Centro Médico da Universidade de Stanford, Catherine Blish —, “sugere que o tecido adiposo [caracterizado por células adiposas, ou adipócitos, que armazenam gordura”] pode servir como um potencial reservatório para o SARS-CoV-2 e como potenciador de inflamações localizadas e sistémicas, contribuindo possivelmente para doença clínica agravada em indivíduos com obesidade infetados” com o novo coronavírus.

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A investigação em causa, disponibilizada online em outubro, foi também noticiada pelo jornal norte-americano The New York Times. Ao diário, um cientista do Centro Médico UT Southwestern em Dallas, Philipp Scherer, comentou as conclusões da investigação, dando conta de que o mais surpreendente é a perspetiva de que o novo coronavírus “pode infetar diretamente as células gordas” — e, posteriormente, afetar os tecidos vizinhos do corpo.

Um dos investigadores envolvidos na elaboração deste estudo analítico, um professor de imunologia da Universidade de Medicina de Yale chamado Vishwa Deep Dixit, já defendeu que esta investigação pode reorientar boa parte da estratégia de combate à Covid-19 e originar novos tratamentos para a doença que visem a gordura corporal. “Talvez seja esse o calcanhar de Aquiles [das pessoas] que o vírus utiliza para escapar às respostas do nosso sistema imunológico e protetor — escondendo-se neste sítio”.

Citado pelo The New York Times, um especialista e professor de cardiologia da Universidade Johns Hopkins, David Kass, traduziu aquilo a que esta investigação agora aponta: o SARS-CoV-2, referiu, “pode infetar” o tecido gordo “e na verdade residir ali”. Esta parte do corpo é assim “um lugar que o amplifica”.

Não é novidade que o tecido adiposo pode servir de reservatório e local de alojamento de vírus (tal já se sabia, por exemplo, relativamente ao HIV) mas percebe-se agora que a nova estirpe de coronavírus que provocou uma pandemia mundial parece ser capaz de contornar as defesas imunológicas da gordura corporal.

Como escrevia recentemente a revista científica Science, as pessoas que sofrem de obesidade têm maior probabilidade de vir a desenvolver doenças como problemas de coração, doenças de pulmão e diabetes — tudo fatores de risco independentes que aumentam a probabilidade de uma infeção com o novo coronavírus originar sintomas mais graves. A obesidade resulta ainda em riscos de coagulação do sangue, de inflamações crónicas e de um enfraquecimento do sistema imunitário, tudo fatores que tendem a piorar a Covid-19.

Em agosto, uma investigação disponibilização em pré-publicação por investigadores da biotecnológica Genentech concluía que cerca de 77% dos pacientes com Covid-19 hospitalizados nos Estados Unidos da América tinham ou excesso de peso (29%) ou obesidade (48%).