Ao fim de nove anos de investigação, e de muitos percalços pelo meio, o Ministério Público (MP) encerrou a investigação do chamado caso das Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias com uma acusação contra dois ex-secretários de Estado do Governo de José Sócrates: Paulo Campos (Obras Públicas) e Carlos Costa Pina (Tesouro) são os dois ex-políticos acusados pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), liderado pelo procurador-geral adjunto Albano Pinto.

Paulo Campos foi acusado de 10 crimes de participação económica em negócio pelo alegado benefício de várias concessionárias rodoviárias na negociação das subconcessões e na renegociação de vários contratos de autoestradas sem Custos para o utilizador (SCUT). Esse alegado benefício é superior a mil milhões de euros.

PPP. Todas as suspeitas que o Ministério Público imputa a cinco ex-membros do Governo Sócrates

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Desses 10 crimes, cinco ilícitos de participação económica em negócio são igualmente imputados a Carlos Costa Pina em regime de co-autoria com Campos. Recorde-se que Costa Pina é atualmente administrador executivo da Galp e já tinha sido acusado no caso Euro 2016 do crime de recebimento indevido de vantagem. Contudo, beneficiou da suspensão provisória do processo após o pagamento de uma injunção.

Já um segundo grupo de cinco crimes de participação económica em negócio foi imputado a Rui Manteigas, ex-diretor da área de concessões da empresa Estradas de Portugal, igualmente em regime de co-autoria com o ex-secretário de Estado das Obras Públicas Paulo Campos. Manteigas é atualmente secretário-geral da Associação Portuguesa de Concessões Rodoviárias.

O DCIAP emitiu um comunicado ao início da noite a confirmar os factos revelados em primeira mão pelo Observador mas sem revelar os nomes dos acusados.

Arquivadas suspeitas contra Lino, Mendonça e Teixeira dos Santos e suspeitas de corrupção

Os ex-ministros Mário Lino, António Mendonça e Fernando Teixeira dos Santos chegaram a ser arguidos mas não foram acusados. Os procuradores Jorge Malhado e Joana Campos, titulares do inquérito, arquivou os autos contra os ex-titulares das pastas das Obras Públicas e das Finanças, os Ministérios que negociaram e assinaram os contratos das PPP rodoviárias.

O MP, através dos mais de sete procuradores que dividiram a titularidade dos autos ao longo dos nove anos do inquérito, chegou a investigar os crimes de corrupção e branqueamento de capitais mas acabou por deixar cair as suspeitas por ausência de indícios. As conta bancárias nacionais de todos os arguidos foram passadas a pente fino e nada foi encontrado. Face à ausência de informação sobre a titularidade por via direta ou indireta de contas bancárias ou sociedades sediadas em paraísos fiscais, as suspeitas de corrupção foram arquivadas.

As suspeitas durante a investigação

Durante a investigação, o MP recorreu a vários peritos em contratos PPP e ao Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República para concluir que os contratos assinados pelo Governo Sócrates tinham alegadamente provocado prejuízos potenciais superiores a mil milhões de euros, resultantes de dois processos que já tinham sido sinalizados pelo Tribunal de Contas como prejudiciais para os interesses financeiros do Estado.

O cerco da PJ aos ex-governantes de Sócrates na investigação às PPP. Custos podiam subir 3,5 mil milhões

Nomeadamente, estavam em causa suspeitas sobre a renegociação das concessões da Ascendi — uma concessionária que chegou a ser liderada pela Mota e Companhia e pelo Banco Espírito Santo — e negociação das chamadas subconcessões rodoviárias.

Contactado pelo Observador, Carlos Costa Pina não quis comentar a acusação por não ter sido ainda notificado. Mas garantiu que está “totalmente tranquilo e sobretudo seguro da regularidade das decisões tomadas e da prossecução do interesse público, tanto nessa matéria como nas demais que tive sob a minha responsabilidade.”

Carlos Costa Pina é membro da comissão executiva da Galp desde 2012, empresa que contactada pelo Observador disse não ter de momento qualquer comentário a fazer sobre o tema.

O Observador contactou Rogério Alves, advogado de Paulo Campos, mas não quis fazer comentários. No entanto, o ex-secretário de Estado das Obras Públicas garantiu, em entrevista à CNN, que “a acusação está mal feita” e é “falsa”, comparando-a inclusive com o caso com o motorista de Eduardo Cabrita.

Questionado sobre o alegado benefício e as dívidas acumuladas, Paulo Campos sinalizou que tal se deveu aos “elevados” investimentos que o Governo operacionalizou na altura. Ninguém foi “lesado”, passando a haver “uma gestão eficiente, ao contrário do que acontecia no passado, é essa a diferença”. 

O que mais incomodou o ex-secretário das Obras Públicas nestas dez anos foi o “enxovalho” que sofreu. Durante esse tempo, nunca pôde ser ouvido, apesar de os “jornais encherem as páginas de acusações de burla e corrupção”. “Há cinco meses fui ouvido e caíram praticamente todas as acusações”, sublinhou.

“Estou seguro de que os resultados que obtivemos não lesou nenhum interesse patrimonial do Estado”, assegurou Paulo Campos, argumentando que se quis “criminalizar as políticas de um determinado Governo”. “Custa aos opositores políticos que não querem ganhar pela força das ideias, mas pela força da criminalização das nossas políticas”. “Esta acusação vai falhar como falhou em todas as outras que já caíram.”

Comunicado do DCIAP

O DCIAP confirmou, entretanto, a emissão do despacho de acusação neste caso das PPP. Sem referir o nome dos três acusados, o departamento liderado pelo procurador-geral adjunto Albano Pinto confirma os factos revelados em primeira mão pelo Observador.

“No âmbito do designado processo das PPP, o Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal proferiu, no dia 6 de dezembro de 2021, despacho de arquivamento parcial e formulou acusação contra três arguidos, dois deles, à data dos factos, titulares de cargos políticos.

A estes dois arguidos foi imputada a prática de cinco crimes de participação económica em negócio, previstos e punidos pelos artigos 3.º, n.º 1, d) e 23.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16/07 e ao terceiro a prática de cinco crimes de participação económica em negócio, previstos e punidos pelo artigo 377.º, n.º 1, do Código Penal.

A um dos dois primeiros arguidos foi ainda imputada a prática de mais cinco crimes de participação económica em negócio, previstos e punidos pelas mesmas disposições da referida Lei n.º 34/87.

No decurso do inquérito foram investigados diversos contratos de Parcerias Público-Privadas (PPP) do setor rodoviário, celebrados pelo Estado português (XVII e XVIII Governos Constitucionais), os quais diziam respeito:

a) – À alteração dos contratos de concessão celebrados com o Grupo Ascendi, com a introdução de portagens nas ex-SCUT (Costa de Prata, Grande Porto e Beira Litoral e Alta) e a renegociação de 2010 das concessões portajadas do Norte e da Grande Lisboa.

b) – Aos contratos de subconcessão celebrados, entre 2009 e 2010, pela EP – Estradas de Portugal, S.A. com as subconcessionárias do Algarve Litoral, Transmontana, do Douro Interior, do Baixo Alentejo e do Litoral Oeste.”

Corrigido cargo de Rui Manteigas na empresa Estradas de Portugal às 18h41