A Direção-Geral da Saúde (DGS) divulgou esta quinta-feira uma posição técnica da Comissão de Vacinação contra a Covid-19 a justificar a inoculação de crianças entre os cinco e onze anos. Esta posição serve como síntese dos pareceres que estiveram na base da decisão de vacinar a faixa etária em causa, não correspondendo, porém, aos documentos na íntegra que a diretora-geral, Graça Freitas, tinha afirmado que não ia revelar.
O organismo justifica a vacinação de crianças em parte pela variante Ómicron, que pode “originar uma incidência mais elevada nas crianças com cinco aos onze anos” do que aquela que “foi assumida na análise risco-benefício” realizada antes da identificação desta estirpe. No entanto, a DGS assume que “ainda não é conhecida a história natural da infeção” da variante, apesar de a inoculação ter demonstrado “elevada efetividade contra a doença grave, mesmo perante a emergência de novas variantes que foram associadas a uma menor efetividade vacinal contra a infeção”.
“A avaliação de risco-benefício é favorável à vacinação universal das crianças com cinco a onze anos”, lê-se no documento da DGS, acrescentando o organismo que pode “alterar a presente recomendação sempre tal que se justifique”, nomeadamente “com dados que venham a ser conhecidos sobre o potencial de escape vacinal da variante Ómicron”.
A DGS teve acesso a vários pareceres, tendo ainda citado os exemplos dos Estados Unidos da América, do Canadá e de Israel. “Na União Europeia ainda não são conhecidas as recomendações dos Estados-membros”, ressalva o organismo.
Dentro dos pareceres, há posições diferentes. Enquanto o grupo de especialistas em pediatra e saúde pediam mais tempo, o membro consultivo para a bioética ouvido não emitiu qualquer alerta sobre a vacinação de crianças.
Primeiro parecer — Agência Europeia do Medicamento e Centro Europeu de Controlo de Doenças
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Pontos a favor
- “Teve por base um ensaio clínico com mais de duas mil crianças, tendo concluído, após uma avaliação de eficácia (90,7%) e segurança, que os benefícios superaram os riscos nestas faixas etárias.”
- “Não são conhecidos riscos associados a reações adversas mais raras para estas faixas etárias, como, por exemplo, a ocorrência de mio/pericardites registadas para adultos jovens vacinados com vacinas de mRNA.”
- “O risco de hospitalização é superior (12 a 19 vezes) em crianças com comorbilidades, mas cerca de 78% das crianças hospitalizadas não apresentam comorbilidades.”
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Alertas
- Na posição técnica, não há menção a qualquer alerta.
Segundo parecer — Grupo de especialistas em pediatria e saúde infantil
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Pontos a favor
- “Grupo de trabalho é constituído por elementos com experiência para avaliar os benefícios e os riscos da vacinação para a saúde da criança.”
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Alertas
- “Deve ser dada prioridade à vacinação de adultos e os grupos de risco, incluindo as crianças dos cinco aos onze anos.”
- “Poderá ser prudente aguardar por mais evidência científica antes de ser tomada uma decisão final de vacinação universal deste grupo etário.”
Terceiro parecer — Avaliação da situação epidemiológica elaborado pela comissão técnica de vacinação contra a Covid-19
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Pontos a favor
- “Em quatro meses (dezembro de 2021 a março de 2022), [haverá] uma cobertura vacinal de 85% das crianças dos cinco aos onze anos, [e] assumindo uma efetividade contra hospitalização de 95%, e um cenário de incidência mediana idêntico ao registado no período homólogo (entre dezembro de 2020 e março de 2021), estima-se que evitaria 51 (9 a 147) hospitalizações e 5 (1 a 16) internamentos” em unidades de cuidados intensivos”.
- Neste período, assumindo uma taxa de ocorrência de “mio/pericardites pós-vacinação” com a vacina da Pfizer “semelhante à registada para os 12-15 anos, esperam-se sete mio/pericardites associadas à vacinação”.
- “A pandemia Covid-19 prejudicou as crianças, a sua educação, desenvolvimento cognitivo e emocional, saúde mental, bem-estar e vida social, especialmente as mais desfavorecidas e com perturbações mentais e/ou de do desenvolvimento.”
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Alertas
- “A avaliação de risco-benefício considerou apenas os benefícios diretos. Contudo, a pandemia Covid-19 prejudicou as crianças, a sua educação, desenvolvimento
cognitivo e emocional, saúde mental, bem-estar e vida social, especialmente as mais desfavorecidas e com perturbações mentais e/ou do desenvolvimento.”
- “A avaliação de risco-benefício considerou apenas os benefícios diretos. Contudo, a pandemia Covid-19 prejudicou as crianças, a sua educação, desenvolvimento
Quarto parecer — Posição bioética em que “foi auscultado” um membro consultivo
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Pontos a favor
- “A decisão de administrar às crianças compreendidas no grupo etário dos cinco aos onze anos as aludidas vacinas, em dose pediátrica, obedece aos princípios de não-maleficência (não causa, previsivelmente, prejuízo à sua vida, à sua saúde e à sua integridade).”
- Obedece aos princípios de “beneficência“, isto é, “apresenta probabilidade elevada de prevenir a contração das cadeias de transmissão da doença, pelo menos relativamente às variáveis conhecidas, em particular a Delta, contribuindo, deste modo, para um significativo atenuar da pandemia, uma vez que os dados epidemiológicos revelam uma alta transmissibilidade da doença nesta faixa etária, em Portugal”.
- “É do melhor interesse da criança ser vacinado contra a Covid-19.”
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Alertas
- “O respeito pelo princípio da autonomia não é convocado para a análise feita, uma vez que a criança integrada neste grupo etário não goza da maturidade indispensável para consentir ou não consentir na administração da vacina.”
- Não é claro se é apenas um membro consultivo, ou se é um órgão consultivo.
A DGS publicou este documento “com vista à necessária tranquilidade social neste processo”, aconselhando também que se deve reforçar a vacinação com o esquema vacinal primário (as duas doses) todas as pessoas com 12 ou mais anos e também “a vacinação com dose de reforço para os grupos definidos”.
Esta posição técnica foi votada por unanimidade pelos 13 membros da Comissão Técnica. No entanto, havia diferentes prioridades. 10 especialistas eram a favor da “vacinação universal com priorização das crianças com comorbilidades de risco”, enquanto três membros votaram “a favor da vacinação universal”.
Haverá ainda outra posição técnica, que será subsequente à reunião de quinta-feira, divulgando, entre outras informações, “o melhor intervalo entre doses para estas faixas etárias”.
O Público avançou quarta-feira que o parecer final feito pela Comissão Técnica de Vacinação não seria publicado, algo que Graça Freitas confirmou esta quinta-feira, rejeitando a ideia de tal podia significar “falta de transparência”.“É um documento interno preparatório do processo de decisão”, indicou a diretora-geral da Saúde, acrescentando que o “habitual é não serem divulgados. São documentos internos. Não são secretos. São plasmados em normas. A norma é a súmula, o resumo desses pareceres. E são plasmados em comunicados. Fundamentam as decisões que são tomadas”.
Vacinação de crianças. Nota técnica ainda não está pronta, falta acertar intervalo entre tomas
Também Marta Temido admitiu esta quinta-feira, no Parlamento, que o documento final não será publicado.
Atualizado com o documento divulgado pela DGS (aqui).