Rui Rio e António Costa passaram, esta quinta-feira, mais de uma hora em confronto, mas os ataques não atingiram apenas os dois oponentes que estavam dentro da sala. Na verdade, o alvo de um dos golpes que marcam a história deste debate até foi um socialista que, segundo Rui Rio, pode vir a ser primeiro-ministro — mas este não se chama António Costa.

Passavam poucos minutos do início do debate, que Rio conseguiu marcar com a questão que tem vindo a atirar a António Costa — afinal, quais são os cenários de estabilidade que o PS pode garantir ao país caso não atinja a tão desejada maioria absoluta — quando Pedro Nuno Santos, o homem mais falado para a futura sucessão no PS, apareceu no debate (em sentido figurado, claro). E foi pela boca de Rio.

“António Costa não tem condições de reeditar a geringonça mesmo que seja o mais votado. Vai dar o quê? O que é que faz? Talvez saia e vamos ter outro primeiro-ministro e tudo indica que venha a ser Pedro Nuno Santos.” Ora esse seria o risco máximo, picou Rio: “Teríamos o Bloco de Esquerda mesmo no Governo. Isso é um perigo para o país”.

O momento foi breve e correspondeu ao perigo que Rio tem agitado pelo menos desde o congresso do PSD: a ideia de que o PS ainda pode, se a esquerda tiver maioria mas o PSD ganhar, acabar por substituir Costa por Pedro Nuno e abrir as portas ao Bloco de Esquerda e ao PCP. Mas se o debate acabaria por seguir para outros temas, uma hora depois Costa ainda era questionado, à saída, sobre o assunto, e via-se obrigado a falar do “fantasma de Pedro Nuno Santos”, perante as perguntas dos jornalistas.

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Da parte de Costa, risos e mais uma tentativa de pôr uma pedra sobre um assunto que seguramente o acompanhará campanha eleitoral fora: “Pedro Nuno Santos não é um fantasma, é uma pessoa que é cabeça de lista por Aveiro e terá seguramente grande resultado eleitoral em Aveiro”.

Mesmo afastando o espetro de Pedro Nuno, a esquerda continuou a ser o adversário ausente mais atacado durante o debate. Até por omissão: se Rui Rio se referiu várias vezes à geringonça (para dizer que falhou) e Costa recusou reeditar a geringonça (porque já não acredita nela), o socialista chegou a criticar os partidos de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins sem os mencionar. Isto porque, enquanto falava das soluções de governabilidade possíveis, elegeu um e só um eventual parceiro: o PAN. “Não esqueço que um partido, o PAN, não contribuiu para esta crise”, fez questão de frisar Costa, por iniciativa própria. Quanto à geringonça que costumava louvar, nem uma palavra sobre os tempos vividos em comum — mas mais tarde, na “flash-interview” à saída do debate, compararia governar sem maioria a governar entre a espada e a parede.

Quanto a fantasmas do passado, também se tornaram alvos para Rio e Costa. O primeiro aproveitou a discussão sobre o modelo económico que cada um defende para lembrar a “linha de continuidade” do PS, recordando os tempos de Costa como ministro dos Governos de José Sócrates e António Costa: “Toda esta linha que foi seguida, que deu os resultados que conhecemos, é a linha que vai continuar. As coisas vão continuar na mesma. Portugal vai continuar a cair”.

Quanto a Costa, recorreu clássicos do argumentário do PS, lembrando Pedro Passos Coelho — “o antecessor de Rio dizia que vinha aí o diabo, Rio disse que aumentar o salário mínimo seria o descalabro” — e até, de forma mais subtil, Vítor Gaspar, o ministro que nos tempos da troika anunciou um “enorme aumento de impostos” (Costa usou uma versão ligeiramente diferente para agitar esse papão, dizendo que sempre que chega ao poder o PSD impõe um “brutal aumento de impostos”).

Ainda assim, e comparando com os ataques que se costumavam ouvir durante os anos da geringonça e do pós-troika, as armas de arremesso passaram desta vez a ter mais a ver com o presente — e até com o futuro (do PS).