As margens do rio Revubóe, em Tete, interior centro de Moçambique, estão viradas do avesso, testemunho da força das correntes que tudo arrastaram, incluindo a ponte rodoviária que liga a capital provincial a Moatize, vila das minas de carvão.
O sol acabou de nascer e um grupo de mulheres descalças carrega baldes e alguidares à cabeça: a medo, aproximam-se do rio e enchem tudo com água para as tarefas diárias – limpar a lama vai passar a ser uma delas, para quem sobreviveu.
É à beira deste rio e da ponte quebrada a meio, há mulheres a ver o que resta das suas casas, com uma frase inequívoca: “estamos a sofrer”.
De lenço azul-claro à cabeça, Rosa Valentina revira os blocos de barro do que já foram paredes, como quem tenta descobrir o fio à meada para recomeçar a vida – rodeada de crianças sem perspetivas de irem à escola.
Mais à frente, Rosa Mateus, recolhe os pertences que encontra – sobretudo roupa – com ajuda de uma filha e mete tudo num alguidar encharcado, que coloca à cabeça para seguir em frente, por entre os destroços.
O número de mortes provocadas pela tempestade tropical Ana em Moçambique subiu esta quinta-feira para 18, segundo dados das autoridades locais e proteção civil, e a população vive por entre um rasto de destruição.
Administrador de distrito moçambicano morre durante tempestade tropical Ana
A intempérie atingiu diretamente o país entre segunda e quarta-feira, mas apesar de já ter enfraquecido e avançado para outros países (Zimbabué e Zâmbia), as chuvas intensas alimentaram o caudal de todos os rios no centro e norte de Moçambique, que continuam a provocar inundações.
Na província central da Zambézia, de onde foram relatadas as duas primeiras mortes na segunda-feira, o total de vítimas subiu para seis.
Entre estas, está uma criança que morreu na quarta-feira afogada em charcos criados entre habitações de um bairro precário, anunciou o secretário permanente do distrito de Nicoadala, Ribeiro Fernando.
Ainda na zona centro, na província de Manica, um desabamento atingiu mais uma pessoa, elevando para três o total de vítimas mortais na região.
Na província de Nampula, a primeira a ser atingida pela intempérie, a norte, e onde já havia três mortes, as autoridades anunciaram mais um óbito.
Dia após dia, o balanço vai crescendo com números de diferentes entidades e que nem sempre batem certo, mas que apontam sempre num sentido mais sombrio, com mais vítimas.
A juntar aos números das outras regiões, há o balanço da província de Tete, até agora o mais trágico (sete mortes) e que mostra uma terra onde os efeitos da tempestade foram mais severos.
Na terça-feira, o governador Domingos Viola, deu conta de seis mortes, na maioria arrastadas por correntes, e já na quarta foi descoberto o corpo do administrador do distrito de Tete, José Mandere, levado pelo rio Revubóe, quando averiguava a situação de residentes.
Esta quinta-feira, o nível das águas desceu e permite que comecem a avaliar os estragos.
Para a população, depois de uma enxurrada, ter água potável ficou ainda mais difícil, queixa-se mulheres e crianças que fazem o grosso de quem por ali deambula, manhã cedo, ao lado da capital provincial, Tete.
Segundo números da proteção civil – que podem pecar por ser conservadores face ao evoluir da situação – as inundações afetaram 20.671 pessoas, causando 54 feridos e a destruição total ou parcial de 3.895 casas, seis unidades hospitalares e 77 salas de aula, afetando 2.266 alunos.
Moçambique enfrenta a época ciclónica sazonal e a tempestade tropical Ana – que, entretanto, perdeu força e se transformou numa depressão – foi a primeira a atingir o país.