O juiz Ivo Rosa decidiu que durante a fase de instrução do mega-processo BES/GES permaneça na sala de audiências apenas um advogado a representar 118 assistentes no processo. Argumentos: a sala não tem condições para sentar tantas pessoas e seria impossível ouvir todos os advogados a cada ato processual. A lei permite que o faça, mas a Ordem dos Advogados diz que a legislação colide com o seu estatuto e há já advogados que vão reclamar e propor outras soluções.
No despacho de abertura de instrução, concluído a 24 de janeiro — e em que Ivo Rosa eleva para 30 o total de arguidos no caso: soma cinco aos 25 que já eram conhecidos —, o magistrado explica que estão admitidos no processo 123 assistentes, entre eles o próprio banco, assim como lesados. Estes casos, lembra, foram acautelados pela lei, que prevê a representação apenas por um advogado, para garantir “o normal andamento do processo”.
Seria impossível tramitar o processo com a intervenção simultânea de todos os assistentes. Na verdade, não existiria uma sala com condições para acolher todos os advogados. E imagine-se o que seria o tribunal ter de ouvir todos os assistentes quanto à prática de qualquer ato processual”, afirma o juiz no despacho de 92 páginas.
O juiz determina então que, no prazo de dez dias, os 118 assistentes escolham quem os vai representar. E, caso não cheguem a nenhum acordo, ele próprio irá escolher um advogado, optando por aquele que foi o primeiro a constituir-se assistente — neste caso, o BES.
De fora desta regra, e representados cada um pelo seu advogado, ficam os assistentes cujo requerimento de abertura de instrução foi aceite pelo magistrado, que são cinco: Totalvalue, Segouviber Unipessoal, João Carlos Malveiro, Manuel Oliveira e Irene Oliveira. A instrução é uma fase do processo em que o juiz de instrução vai olhar para a acusação do Ministério Público e ouvir todas as partes para decidir se o caso deve seguir para julgamento.
Decisão de Ivo Rosa “colide com poder de escolha”, defende Bastonário
Para o bastonário da Ordem dos Advogados, Menezes Leitão, esta norma prevista no Código do Processo Penal “colide” com as que constam no Estatuto da Ordem dos Advogados. Sem se pronunciar sobre o caso concreto do BES, o advogado lembra que o estatuto prevê que “o mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada”. Mais: ao Observador, Menezes Leitão defende que “o mandato forense não pode ser objeto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.”
A norma do Código do Processo Penal é de 1929 e muito anterior ao Estatuto. “Não me parece muito coerente no atual sistema democrático e essa norma colide com o poder de escolha”, diz ao Observador. Apesar de admitir já ter havido um acórdão do Tribunal Constitucional que não considerou esta norma ilegal, na posição da Ordem dos Advogados não deve ser “imposto a alguém ser representado por alguém”.
A acusação. Anatomia de uma associação criminosa que destruiu o Grupo Espírito Santo
E, mesmo do ponto de vista do advogado, a tarefa parece difícil, uma vez que terá de coordenar várias posições e interesses distintos. Para o juiz Ivo Rosa, porém, os interesses destes 118 assistentes são compatíveis entre si. Mas esta não é a perspetiva partilhada por alguns dos advogados, que se preparam para fazer um requerimento ao processo para que se encontre uma fórmula que considerem mais justa.
Contactado pelo Observador, o advogado Miguel Matias, que representa uma sociedade venezuelana, admite que está a pensar fazer um requerimento para, eventualmente, sugerir que se agrupem os assistentes por grupos, consoantes os seus interesses — até porque o interesse do seu constituinte é diferente do interesse dos clientes lesados do papel comercial. “O BES também não faz sentido estar junto”, considera o advogado.
Já Ricardo Sá Fernandes ficou de fora da regressa por ter visto os seus requerimentos de abertura de instrução, em nome da Totalvalue e de João Carlos Malveiro, serem aceites por Ivo Rosa. Ainda assim, considera que deve “haver uma questão de bom senso”, até porque não é viável ter “100 advogados com 100 assistentes”.
A questão de os assistentes serem representados por um só advogado foi também colocada no caso dos Comandos, com o coletivo a decidir que só podia estar um advogado a representá-los. Uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa acabaria a reverter a decisão. Os juízes desembargadores concluíram que havia interesses diferentes entre os assistentes (neste caso, vítimas e familiares das vítimas já mortas), fazendo com que os advogados estivesses presentes ao longo do julgamento.
Ricardo Salgado e 29 outros arguidos no caso
O juiz Ivo Rosa juntou mais cinco arguidos ao megaprocesso do BES/GES, que contava já com 25 arguidos (18 pessoas singulares e sete empresas), acusados do crime de associação criminosa, corrupção, falsificação de documentos, infidelidade, manipulação de mercado, branqueamento e burla qualificada.
No megaprocesso BES/GES, o antigo líder do BES, Ricardo Salgado, foi acusado de um crime de associação criminosa (em coautoria com outros 11 arguidos, entre eles os antigos administradores do BES Amílcar Pires e Isabel Almeida), 12 crimes de corrupção ativa no setor privado, 29 crimes de burla qualificada, infidelidade, manipulação de mercado, sete crimes de branqueamento de capitais e oito de falsificação.
O arguido José Manuel Espírito Santo Silva, antigo administrador do BES e primo de Ricardo Salgado, é acusado de vários crimes de burla qualificada e infidelidade.
O ex-administrador e diretor financeiro do BES Amílcar Pires responde por associação criminosa, corrupção passiva no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais, manipulação de mercado, falsificação de documento e infidelidade.
A antiga administradora do BES, Isabel Almeida, foi também acusada por um crime de associação criminosa, em coautoria, corrupção passiva no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais, manipulação de mercado, falsificação de documento e infidelidade.
São ainda arguidos neste processo Manuel Espírito Santo Silva, Francisco Machado da Cruz, António Soares, Alexandre Cadosch, Michel Creton, Cláudia Boal Faria, Pedro Cohen Serra, Paulo Carrageta Ferreira, Pedro de Almeida e Costa, Nuno Escudeiro, Paulo Nacif Jorge, Pedro Pinto, João Martins Pereira e João Alexandre Silva.
As sete empresas acusadas são a Espírito Santo International, Rioforte Investments, Eurofin Private Investment, Espírito Santo irmãos – Sociedade Gestora de Participações Sociais, ES Tourism Europe, Espírito Santo Resources Limited e ES Resources (Portugal) por crimes como burla qualificada a corrupção passiva, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
No despacho de abertura de instrução, o juiz Ivo Rosa apresenta algumas queixas: a falta de espaço no tribunal para um processo tão grande é uma delas; outra é a falta de meios :tem apenas dois funcionários. A primeira sessão está já marcada para 21 de fevereiro, mas dependente da sala maior do Campus de Justiça, no edifício A.