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Isabel Almeida (ex-diretora do BES) e Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES) são os principais cúmplices da alegada associação criminosa liderada por Ricardo Salgado, segundo o Ministério Público
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Isabel Almeida (ex-diretora do BES) e Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES) são os principais cúmplices da alegada associação criminosa liderada por Ricardo Salgado, segundo o Ministério Público

Isabel Almeida (ex-diretora do BES) e Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES) são os principais cúmplices da alegada associação criminosa liderada por Ricardo Salgado, segundo o Ministério Público

A acusação. Anatomia de uma associação criminosa que destruiu o Grupo Espírito Santo

Todos os detalhes: Ministério Público imputa pagamento de alegadas luvas de 56,8 milhões de euros a administradores e funcionários para execução de um sistema de financiamento fraudulento do GES.

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Na Justiça da década de 70 e 80 do século passado era relativamente comum imputar o crime de associação criminosa a grupos que praticavam de forma continuada assaltos à mão armada contra instituições de crédito ou outro tipo de furtos. Mas nunca um ex-banqueiro foi acusado de fundar, liderar e corromper os seus próprios administradores, diretores e funcionários para delapidar o património de várias instituições de crédito, falsificar a contabilidade de várias sociedades e burlar milhares de clientes. Tudo com um objetivo trágico: salvar um grupo falido chamado Grupo Espírito Santo (GES).

Nunca tinha acontecido, mas aconteceu esta terça-feira. Ricardo Salgado foi acusado de 65 crimes — entre um de associação criminosa, 12 de corrupção ativa no setor privado, 29 de burla qualificada, seis de infidelidade, um de manipulação de mercado, sete de branqueamento de capitais e nove de falsificação de documento. Na prática, Salgado foi acusado por uma equipa de sete procuradores liderada por José Ranito de fundar uma alegada associação criminosa a que terão aderido Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES), Isabel Almeida (ex-diretora do BES) e mais oito altos funcionários do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) e dois responsáveis da sociedade suíça Eurofin.

A pergunta que se segue é simples: como é que, segundo a acusação, o homem mais poderoso do país, educado nas melhores escolas nacionais e internacionais para ser banqueiro e prosseguir o legado da família Espírito Santo, conseguiu criar, planear e executar um plano que veio a destruir o GES e a provocar a resolução do BES em Agosto de 2014? E como conseguiu alegadamente corromper os seus administradores e funcionários?

‘Luvas’ de 56,8 milhões de euros pagaram sistema de financiamento fraudulento

A acusação da equipa do procurador José Ranito confirma o que o Observador tem vindo a noticiar desde 2016 (ver aqui, aqui e aqui): Ricardo Salgado terá corrompido os seus administradores e funcionários para implementar um alegado sistema de financiamento fradulento de várias holdings do GES à custa dos clientes do BES.

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Para tal, instituiu a sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, que atuou como o principal ‘saco azul’ do GES. Mas a acusação do Ministério Público revela que existiam mais três sociedades secretas com o mesmo objetivo:

  • A Alpha Management, tal como o Observador antecipou aqui, que tinha sede nas Ilhas Virgens Britânicas;
  • A Balenbrook, com sede no Panamá;
  • E a Clauster, com sede no Belize.

Todas estavam sediadas em paraísos fiscais, todas eram geridas por Jean-Luc Schneider através de ordens de Ricardo Salgado e todas foram financiadas indiretamente por dívida emitida junto dos clientes do BES.

Como Salgado usou o ‘saco azul’ para implementar um esquema de financiamento fraudulento do GES

Estas sociedades eram utilizadas para pagar alegados bónus aos administradores e altos funcionários do BES e do GES que abriam propositadamente contas bancárias no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça — sendo que, na esmagadora maioria dos casos, essas contas eram abertas em nome de sociedades offshore que ocultavam o verdadeiro beneficiário. No caso dos responsáveis e funcionários do BES acusados, os pagamentos chegam a ser classificados pelo Ministério Público como uma prova de “lealdade criminosa”.

Apesar de terem servido para fundamentar o crime de corrupção ativa no setor privado que o Ministério Público imputa a Ricardo Salgado, a verdade é que o ex-presidente executivo do BES foi um dos grandes beneficiários dos ‘sacos azuis’ do GES. A equipa do procurador José Ranito cruzou os rendimentos declarados em Portugal por Salgado entre 2008 e 2014 e concluiu que o ex-banqueiro ganhou 5,7 milhões de euros em Lisboa — mas, no mesmo período, recebeu mais do dobro (12,8 milhões de euros para ser mais exato) na Suíça em contas abertas no Banque Privée Espírito Santo.

Este valor de 12,8 milhões de euros é classificado pelo Ministério Público como pagamentos de “alegados prémios ou honorários, auto atribuídos em total desconsideração pela situação patrimonial do GES.

A mesma classificação é dada aos valores que José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo receberam através do mesmo circuito financeiro. O primeiro, líder do clã Pinheiro Espírito Santo e principal conselheiro de Ricardo Salgado durante muitos anos, declarou em Portugal rendimentos totais de 4,8 milhões de euros entre 2008 e 2014 e recebeu na Suíça um valor de 6,9 milhões de euros através das entidades ESI BVI, ES Enterprises e Balenbrook. Enquanto que Manuel Fernando, líder do clã Moniz Galvão por morte da sua mãe, declarou em Lisboa rendimentos totais de 3,7 milhões de euros, tendo recebido o dobro em contas no Banque Privée Espírito Santo através das mesmas entidades offshore: 7,4 milhões de euros pagos em contas na Suíça através das entidades ESI BVI, ES Enterprises e Balenbrook.

Os documentos do ‘saco azul’ do GES: 20 milhões a mais de 50 altos funcionários

Já os restantes pagamentos realizados pelas sociedades secretas do GES a Amílcar Morais Pires, Isabel Almeida e aos restantes funcionários do BES acusados de terem sido alegadamente corrompidos por Salgado são classificados da mesma forma: uma alegada contrapartida pela “colaboração e participação” de cada um dos acusados de corrupção passiva no setor privado na implementação dos esquemas de financiamento fraudulento.

Neste grupo, Amílcar Morais Pires lidera destacado nos montantes recebidos na Suíça. No mesmo período de 2008 a 2014, o administrador financeiro e ex-braço-direito de Salgado declarou em Portugal rendimentos de 5,8 milhões de euros mas recebeu na Suíça através da sua offshore Allanite e de outras contas um total de 22,2 milhões de euros da ES Enterprises, Arnow Investments e Alpha Management (Ilhas virgens britânicas) e do Banco Espírito Santo Angola.

Isabel Almeida, ex-diretora do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) do BES, e tal como o Observador já tinha noticiado, recebeu cerca de 2,8 milhões de euros em contas do Banque Privée Espírito Santo da ES Enterprises, Alpha Management e Bank Espírito Santo Limite (Ilhas Caimão) quando tinha declarado em Portugal 1,3 milhões de euros.

António Soares, braço direito de Isabel Almeida no DFME e ex-administrador do BES Vida, recebeu das mesmas entidades 1,4 milhões de euros quando o grupo BES lhe pagou em Lisboa cerca de 1,1 milhões de euros no período 2008/2014.

Afinal, Frasquilho recebeu quase o dobro do ‘saco azul’ do GES

Francisco Machado da Cruz, o ex-comissaire aux comptes do GES que confessou a falsificação da contabilidade da ESI, sempre trabalhou no estrangeiro. A questão é que, de acordo com o despacho do Ministério Público, terá recebido um total de 2,5 milhões de euros das entidades ESI BVI, Balenbrook e Clauster em contas na Suíça. O Ministério Público diz que se trata de uma alegada contrapartida pela sua participação na alegada implementação dos sistemas de financiamento fraudulento.

O administrador Pedro Costa (143 mil euros) e os diretores e funcionários Cláudia Faria (43,5 mil euros), Paulo Ferreira (229,4 mil euros), Nuno Escudeiro (141,2 mil euros), Pedro Góis Pinto (48,7 mil euros) e Pedro Serra (285 mil euros) também receberam montantes em contas bancárias na Suíça que o MP encara como alegadas contrapartidas ordenadas por Ricardo Salgado.

A causa do plano: os problemas financeiros do GES

Quase tudo na vida tem uma explicação — e a origem do plano de Ricardo Salgado não escapa a essa verdade. Tudo começa com a crise financeira de 2007/2008, que teve início nos Estados Unidos com a queda do banco de investimento Lehman Brothers e contaminou a Europa mais tarde. Os desequilíbrios financeiros do GES já existiam mas tinham beneficiado de uma supervisão do Banco de Portugal liderado por Vitor Constâncio muito passiva e de um apoio político claro do Governo à banca — um aliado natural na política expansionista de José Sócrates de investimento público em infra-estruturas através de parcerias público-privadas.

O problema é que a principal holding do GES, a Espírito Santo International (ESI), com sede no Luxemburgo, chega a 2009 em “insolvência técnica”, lê-se no despacho de acusação a que o Observador teve acesso. Tinha capitais próprios negativos de 961,9 milhões de euros e com resultados negativos transitados de 1,2 mil milhões de euros. Três anos depois, com Portugal mergulhado numa crise e sob intervenção externa, os capitais próprios negativos da ESI já ascendiam a 1,6 mil milhões de euros.

Ricardo Salgado terá cometido o seu primeiro ilícito logo em 2009 ao violar "a obrigação legal de apresentar" a ESI a um processo de insolvência na justiça luxemburguesa devido à sua situação de falência técnica. Pior: criou um plano alegadamente ilícito para captar liquidez junto de clientes institucionais e particulares do BES e de outras instituições de crédito do GES para financiar os buracos da ESI.

Memorize o nome de uma segunda sociedade que é determinante nesta história: Eurofin. Trata-se de uma sociedade suíça liderara por Alexander Cadosch, um ex-funcionário do GES a partir de 1999, que, na prática, seria controlada por Ricardo Salgado. Ora, também a Eurofin tinha problemas financeiros graves em 2009: uma situação  patrimonial líquida negativa de 489 milhões de euros e o risco de perdas adicionais de 326 milhões de euros.

“A impotência económica do GES e dos seus acionistas para resolver por si, licitamente, esta situação, era incontornável”, lê-se no despacho de acusação.

Diz o Ministério Público que foi aqui que Ricardo Salgado cometeu o seu primeiro ilícito ao violar “a obrigação legal de apresentar” a ESI logo em 2009 ao escrutínio judicial no âmbito de um processo de insolvência na justiça luxemburguesa. Pior: criou um plano alegadamente ilícito para captar liquidez junto de clientes institucionais e particulares do BES e de outras instituições de crédito do GES para financiar os buracos da ESI.

A falsificação da contabilidade

Para tal, Salgado terá recrutado “um núcleo estratégico de colaboradores que, a troco de contrapartidas em dinheiro e poder de influência, se dispôs a pactuar com os seus desígnios” violando para o efeito os seus “deveres de profissionais”, lê-se na acusação. E é aqui que entra o conceito jurídico da associação criminosa, pois Ricardo Salgado “comandou um grupo restrito, estável de sujeitos que se posicionou na interação com os demais, para desenvolver soluções que satisfizessem fins criminosos” através dos conhecimentos técnicos de cada um dos elementos desse grupo.

A primeira fase do plano de Ricardo Salgado foi ordenar a falsificação da contabilidade da ESI para esconder a falência técnica da sociedade. Para tal, recorreu a José Castella (controller do GES que faleceu em fevereiro de 2020) e a Francisco Machado da Cruz (o famoso comissaire aux comptes do GES). Mas não terão sido os únicos. Amílcar Morais Pires, Isabel Almeida e Nuno Escudeiro — funcionário do DFME que terá feito os cálculos necessários para o grupo liderado por Ricardo Salgado ter noção do ‘buraco’ financeiro que era necessário tapar — terão alegadamente sido cúmplices nessa matéria.

Foram simplesmente "inventados ganhos ou melhorias nas operações anuais para ocultar resultados negativos" que eram obviamente consumidos com as responsabilidades da dívida assumida — cujo o valor também era alvo de falsificação nas contas.

E o que era falsificado nas contas da ESI? Essencialmente, o valor real do passivo da holding do GES, nomeadamente a dívida que a ESI tinha para com as seguintes pessoas e entidades:

  • Os clientes dos diversos bancos da família Espírito Santo;
  • As próprias subsidiárias do GES que investiam em dívida da ESI para ajudarem a financiá-la;
  • E os próprios bancos portugueses, como era o caso da CGD e do BPI.

Pior: foram simplesmente “inventados ganhos ou melhorias nas operações anuais para ocultar resultados negativos” que eram obviamente consumidos com as responsabilidades da dívida assumida — cujo valor era falsificado nas contas.

Com este esquema, a ESI tinha uma dívida real de 5,6 mil milhões de euros em setembro de 2013, mas as suas contas depositadas no registo comercial luxemburguês evidenciavam capitais próprios sucessivamente positivos entre 2009 e 2012, sendo que neste último ano o valor era de 777,3 milhões de euros.

Francisco Machado da Cruz, comissaire aux compter do GES, confessou a alegada falsificação da contabilidade da ESI ordenada por Ricardo Salgado

© Hugo Amaral/Observador

Francisco Machado da Cruz confessou estas operação de falsificação ao Ministério Público, mas isso não impediu que fosse acusado de um rol alargado de crimes: associação criminosa, burla qualificada, branqueamento de capitais, manipulação de mercado e falsificação de documento.

Uma das peças-chave da acusação: a Eurofin

Chegamos, então, à sociedade Eurofin referida no início deste texto. Trata-se de uma financeira que foi fundada em 1999 por Alexander Cadosch, um gestor suíço que hoje se apresenta como um “empreendedor” na rede social LinkedIn. Cadosch conhecia muito bem Ricardo Salgado, pois era vice-presidente da Gestar — uma sociedade gestora de fortunas que o GES tinha criado na Suíça ainda antes de regressar a Portugal para concorrer às privatizações do início dos anos 90.

Ora, o Ministério Público não tem dúvidas de que Salgado terá recrutado Cadosch e Michel Creton (outro ex-funcionário da Gestar) para criar a Eurofin “como centro de parqueamento de entidades offshore/fundos de investimento que seriam financiadas com fundos dos clientes do BES”. Dito de outra forma: Cadosch e Creton aceitaram ser “testas de ferro do GES na Eurofin”, obedecendo à estratégia delineada por Salgado e ocultando ao longo dos anos a ligação acionista da Eurofin ao GES. A Espírito Santo (ES) Resources, uma holding do GES que trabalhava essencialmente em África, teve 23% do capital social da Eurofin e colocou na mão de Alexander Cadosch da Eurofin um total de cerca de 4 mil milhões de euros que serviram para financiar a ESI e outras entidades do GES com problemas financeiros.

Foram simplesmente "inventados ganhos ou melhorias nas operações anuais para ocultar resultados negativos" que eram obviamente consumidos com as responsabilidades da dívida assumida — cujo o valor também era alvo de falsificação nas contas.

Assim, a Eurofin foi criando uma série de sociedades offshore com sede em diversos paraísos fiscais que tiveram dois propósitos depois da crise financeira dos Estados Unidos em 2007/2008:

  • “Absorver ativos tóxicos que Ricardo Salgado não queria ver associados ao BES e à sua pessoa.” Foram estes veículos da Eurofin que receberam os títulos do Lehman Brothers que o BES possuía depois da falência do banco de investimento norte-americano em 2007 e que manchavam as contas do banco;
  • E realizar “negócios ruinosos” com o “único propósito de transferir dinheiro para centrais de tesouraria ocultas do GES, de onde era retirado para entrega a pessoas da eleições de Ricardo Salgado, incluindo o próprio”, lê-se no despacho de acusação.

Os esquemas de financiamento fraudulento

Os esquemas de financiamento fraudulento alegadamente promovidos pela Eurofin por ordens de Ricardo Salgado assentaram muito num tipo especial de sociedades: os Special Purpose Vehicle. Conhecidos pela sigla inglesa SPV, trata-se de empresas com personalidade jurídica que também são reconhecidas como sociedade veículo. Isto é, são criadas apenas e só para um determinado propósito, logo, não têm uma atividade geral. Há dois períodos claros a definir nos esquemas de financiamento liderados pela Eurofin:

  • Entre 2001 e 2009 — em que os clientes são os grandes financiadores;
  • E depois de 2009 — em que o balanço do BES também foi utilizado.

Assim, foram criados as seguintes sociedades SPV:

  • Zyrcan Hartan CorporationMartz BrenanJarvis. Estas sociedades começaram logo por vender dívida a clientes do Grupo BES. Contudo, cedo começaram a ter desequilíbrios patrimonais porque não tinham actividade própria que permitisse financiar a remuneração prometida aos clientes do BES;
  •  EG Premium. Esta sociedade veículo do offshore das Ilhas Britânicas foi criada pela Eurofin no final de 2004 para se financiar igualmente junto dos clientes do BES. Mas, uma vez mais, era o DFME do BES quem geria tais sociedades. Com uma nuance: com a sua atividade financiava a Zyrcan, a Martz Brenan e a Jarvis — já desequilibradas a partir de 2004.

A Shu Tian de Salgado, os ramos da família Espírito Santo e o saco azul do GES

Para se perceber como era efetuado o esquema de financiamento fraudulento, descrevemos o seguinte exemplo prático do que acontecia até 2009:

  • Uma das sociedade veículo emitia títulos de dívida;
  • Os clientes do BES compravam esses títulos de dívida, sendo que as taxas de juro propostas eram sempre superiores às dos depósitos e apresentados como de margem garantida;
  • Na maturidade era o Eurofin quem pagava o juro contratualizado. Sendo que, a partir de 2013, os títulos de dívida eram passados à Eurofin pela ESAF, que revendia os mesmos a clientes do BES através de um fundo do Luxemburgo;
  • Para pagar esse juro, o Eurofin recebia fundos de entidades da área não financeira do GES — que também se financiavam nos diversos bancos da família Espírito Santo, como o BES;
  • Conclusão: este ciclo de colocação de dívida nos clientes fazia com que, na óptica do Ministério Público, os clientes sucessores servissem a dívida e os encargos dos investimentos dos antecedentes, num ciclo de acumulação de passivo sem geração de riqueza.

Foi assim que surgiu um novo plano depois de 2009. Em vez de as sociedades da Eurofin se financiarem diretamente junto dos clientes do BES, criou-se um esquema em que o BES e outros bancos do GES emitiam obrigações e vendiam-nas à Zyrcan com desconto por um terço do seu valor. A Zyrcan, por seu lado, revendia as mesmas obrigações aos clientes do BES a preços de mercado. Pormenor muito relevante para os clientes: as obrigações eram apresentadas aos clientes como tendo capital garantido quando, na realidade, não tinham.

Além das SPV da Eurofin, existiam mais três sociedades semelhantes — Euroaforro, Poupança Plus e Top Renda — que foram criadas pelo Credit Suisse e que eram controladas em termos de financiamento por Isabel Almeida pelo DFME.

Tudo era controlado na sede do BES

Todas estas operações das SPV da Eurofin e de outras sociedades semelhantes eram controladas ao milímetro pelos funcionários do DFME liderado por Isabel Almeida — que reportava diretamente a Ricardo Salgado e a Amílcar Morais Pires.

Um dos elementos-chave da investigação foi a descoberta dos mapas de liquidez das sociedades veículo usadas pela Eurofin nos computadores dos funcionários do DFME. O arguido Pedro Pinto confirmou mesmo que os mapas eram entregues diretamente a Isabel Almeida e a António Soares para procederem à angariação da liquidez necessária aos veículos da Eurofin.

Um dos elementos-chave da investigação foi a descoberta dos mapas de liquidez das sociedades veículo usadas pela Eurofin nos computadores dos funcionários do DFME do BES. Tais mapas de liquidez eram fundamentais para que o DFME liderado por Isabel Almeida pudesse ir controlando as necessidades das sociedades veículo usadas pela Eurofin para subscrever as emissões de dívida do BES e do GES e propor novas emissões à administração liderada por Salgado.

Tais mapas de liquidez eram fundamentais para que o DFME liderado por Isabel Almeida pudesse ir controlando as necessidades das sociedades veículo usadas pela Eurofin para subscrever as emissões de dívida do BES e do GES. Sempre que havia uma urgência de liquidez assinalada nos mapas, o DFME propunha ao conselho de administração do BES liderado por Salgado a emissão de novas linhas de dívida ou promovia emissões de dívida através das sociedades veículo utilizadas. Ou seja, Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Isabel Almeida eram em termos práticos uma espécie de controllers dos veículos da Eurofin.

Em todas estas atividades de geração de liquidez para o GES existe um elo comum: quem pagava a conta final eram sempre os clientes do BES ou o próprio banco.

Clientes do BES prejudicados através da ESAF

É uma das histórias mais extraordinárias do caso BES: o chamado ring fencing. Foi imposto por Carlos Costa, governador do Banco de Portugal no final de 2013, destinava-se a proteger a joia da coroa da família Espírito Santo (o BES) e tinha uma lógica aparentemente infalível que é simples de explicar: Ricardo Salgado nunca arriscaria a contaminação (leia-se falência) do BES para salvar as holdings falidas do GES.

Certo é que Ricardo Salgado fez exatamente o contrário do que era esperado: levou o BES ao fundo com o GES. Como? Continuando a vender a dívida da ESI aos clientes de retalho e institucionais do BES e aumentando os problemas das sociedades do GES a prejudicando o BES.

Um dos melhores exemplos disso foi a utilização dos fundos de investimento da Espírito Santo Activos Financeiros (ESAF), o ES Rendimento e o ES Liquidez, para a compra de dívida da ESI. Já se sabia desde setembro de 2013, por notícia do Público, que os clientes do BES que subscreveram aqueles dois fundos da ESAF tinham financiado a família Espírito Santo em mais de 2,2 mil milhões de euros desde 2008.

É uma das histórias mais extraordinárias do caso BES: o chamado ring fencing. Tinha uma lógica aparentemente infalível que é simples de explicar: Ricardo Salgado nunca arriscaria a contaminação (leia-se falência) do BES para salvar as holdings falidas do GES. Certo é que Ricardo Salgado fez exatamente o contrário do que a lógica impunha: levou o BES ao fundo com o GES.

A equipa do procurador José Ranito fez outras contas, com base na informação que lhe foi prestada pelo Banco de Portugal, e concluiu que, entre dezembro de 2011 e dezembro de 2013, os clientes do BES investiram os seguintes montantes nas várias operações de emissão de dívida da ESI:

  • 1.035 milhões de euros — Fundos ES Rendimento e ES Liquidez, geridos pela ESAF e subscritos por clientes do BES, compraram títulos de dívida da ESI;
  • 2.611 milhões de euros — Clientes institucionais do BES investiram um total de 2.611 milhões de euros em  dívida (notes) da ESI;
  • 1.400 milhões de euros — Clientes de retalho do BES pagaram este valor por títulos de dívida da ESI.

“Pelo menos durante seis anos, entre 2009 e 2014”, diz o Ministério Público, Ricardo Salgado “capturou” a atividade bancária do GES com três consequências. Fê-lo em “benefício próprio” para vender aos clientes do BES e de outras instituições de crédito “dívida de empresas do GES tecnicamente insolventes”, sacrificando o “património dos demais acionistas” do BES e da Espírito Santo Finantial Group, a holding da área financeira do GES, e expondo, “contínua e agravadamente, os investidores”  ao canalizar as suas poupanças para “entidades patrimonialmente incapazes sequer de gerar a rentabilidade necessária para o serviço de dívida que contraíam.”

Acresce a todas estas uma última consequência: a destruição do nome da família Espírito Santo como uma marca credível do sistema financeiro nacional e internacional.

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