Logo na primeira cena de “Somebody Somewhere” há qualquer coisa diferente. Percebe-se aquele registo de comédia próxima do drama e, sobretudo, uma vontade de ser real, das personagens serem mais pessoas do que estereótipos de ficção. Talvez por isso, Bridget Everett, que interpreta a protagonista, Sam, nos diga que queria que o espectador “tivesse a sensação de que vai entrar na vida das personagens, precisamente onde elas estão agora.”
Entra-se sem aviso na vida destas figuras que habitam numa pequena comunidade no Kansas. E associada está muita bagagem emocional e história de vida, detalhes que nem sempre são plenamente desmontadas e que adicionam uma carga ora dramática, ora humorística, com um ritmo que é raro na televisão de hoje. “Somebody Somewhere” é uma comédia da vida. O objetivo não é arrancar gargalhadas, a ideia é que durante cada um dos episódios de 25 minutos nada mais aconteça ou passe pela ideia de quem vê. E esse objetivo é cumprido na perfeição.
A culpa, em boa medida, está na relação que estabelecemos com as personagens — e que acontece entre elas. Parece que existem de facto, que se conhecem há anos. Há uma naturalidade que nos faz ter atenção, cuidado e até preocupação por elas naqueles momentos. E nós perguntamo-nos: como é que a normalidade pode ser tão fascinante? Provavelmente, porque a normalidade ocupa a maior parte dos nossos dias e por isso gera-se um fenómeno de identificação com o que acontece no ecrã. Aliás, mesmo antes do início da conversa, Bridget Everett faz questão de dizer que é de manhã onde está. Nada mais normal, portanto.
[o trailer de “Somebody Somewhere”:]
https://www.youtube.com/watch?v=K3sqnljyJy0
A sua personagem é muito específica, muito fora do que existe na televisão atual. O que a levou a aceitar este papel? E, já agora, aproveito para perguntar: é o momento certo para a interpretar?
Nunca pensei em fazer uma série de televisão no sítio de onde venho: sou do Kansas e saí de lá por uma razão. Mas a verdade é que foi ótimo voltar, ver que tipo de vida é que teria, e como é que as coisas poderiam ser diferentes para mim. A série é criada para mim e foi criada em torno de mim. Fazê-lo agora… sim, sinto-me mais confiante como atriz, sei o que me faz rir e, por isso, foi possível colocar muito de mim na série.
Qual foi a sensação de voltar a casa?
Senti-me bem. Só estamos prontos para voltar a casa quando estamos prontos para voltar a casa. Durante muito tempo afastei-me do Kansas, da minha família. E, agora, no últimos anos, por causa de “Somebody Somewhere”, aproximei-me da família, apaixonei-me pelo Kansas e comecei a apreciar as coisas que me fazem sentir que não faço parte daquela terra. Não sou casada, não tenho filhos, a minha comunidade de amigos é em Nova Iorque, e é muito diferente do que teria no Kansas.
“Somebody Somewhere”. Ter (des)graça indie é bom, mas não faz uma série
Que coisas a fizeram apaixonar-se pelo Kansas agora?
É um sítio muito plano, é conhecido por isso. Mas… aquela coisa de ir com um amigo beber uma cerveja, no meio do campo. Tenho um irmão que vive lá e sempre me senti distante dele. Mas, nestes últimos anos, comecei a ganhar alguma apreciação por ele, é um homem de família, defende-os, está sempre ali para ajudar um vizinho, ou alguém da comunidade que possa precisar de ajuda. Sou muito egoísta, por isso… olho para ele e percebo que tenho muito a aprender. Com ele e com outras pessoas com quem cresci.
“Somebody Somewhere” retrata a vida de Sam. Não pretende ser mais do que isso. Ou será que pretende?
É essa a ideia, sim. Mas parece uma coisa simples quando só é dita, fazer é complicado. Deu muito trabalho, sobretudo porque eu, o Paul [Thureen) e a Hannah [Bos] somos todos inexperientes, novos nisto. Mas tivemos boas dicas da Carolyn [Strauss], da HBO, e outros produtores executivos, que nos ajudaram a entender a arte de entrar na vida das personagens, onde elas estão neste momento.
É difícil encontrar programas de 20/25 minutos. Cada episódio de “Somebody Somewhere” tem essa duração e parece fora do lugar, sobretudo porque é “só” sobre a vida de um grupo de pessoas. Foi fácil para todos entrarem nisto? Ou seja, tornar tudo tão normal, natural?
Sim, foi isso que dissemos aos atores, para serem naturais, muito terra-a-terra. Mas claro que isso me preocupava, pensei que não ia ser algo cool. Não é o tipo de coisas que tenha uma boa resposta na televisão. Por isso dissemos: confiem em nós. Vamos fazer o que queremos fazer, pessoas a falar, a viver. Tentámos ser nós mesmos, nós mesmos e não a pessoa que se vê na televisão. Queríamos que todos se sentissem em casa. Mas concordo, vemos uma comédia na televisão e é só piadas, piadas, piadas. Quando se trata de drama é só narrativa, narrativa, narrativa ou lágrimas, lágrimas, lágrimas… a melhor comédia é a que sai diretamente da vida.
Qual foi a cena mais difícil de filmar?
Houve muitos desafios… [nesta altura, Bridget faz uma longa pausa]. Há uma cena, num dos episódios finais, em que estou a ver as coisas da minha irmã na série, que morreu… [é um dos pontos de partida da série, a morte da irmã] e isso foi muito crítico para mim, tenho de facto uma irmã que morreu e tenho muitas coisas para resolver, pessoalmente. Foi muito difícil para mim… estar a tentar concentrar-me e falar com alguém que não está lá, foi complicado.
Perguntei isso porque há uma revelação importante, em que há escolhas decisivas em causa. É muito forte.
O que aconteceu com essa cena é que… eu e a Mary Catherine Garrison vivemos juntas no mesmo apartamento durante oito anos. Temos uma grande ligação e fazer essa cena com ela foi fácil, está ligado às conversas que tínhamos. Ela é uma atriz profissional, eu sou diferente… tento juntar as peças. Mas estávamos alinhados, cada cena que fiz com ela era uma alegria. É daquelas coisas mais behind the scenes… [risos]
E com o Jeff Hiller [que interpreta Joel, parceiro de desventuras da personagem de Bridget Everett]? Parece que são amigos desde sempre.
Não, não, ele já o conhecia, mas não tinha uma relação com ele. Ele é muito divertido. Uma das coisas porreiras das filmagens é que alugámos todos uma casa, vivemos juntos, e eu e ele assumimos um processo de conhecimento mútuo, como as personagens Sam e Joel vão fazendo ao longo da série. Ele tem um charme muito particular.
Depois disto, considera fazer mais personagens como esta?
Bem… porque não? Tento sempre concentrar-me no que está à minha frente, mas parece-me uma boa ideia, agora que falamos sobre isso.
A pergunta era mais neste sentido: acha que fez um bom trabalho?
Nunca sinto isso [risos]. Mas tenho a certeza que não estragámos a série. Essa é a minha melhor resposta… fiquei surpreendida comigo, acho que posso dizê-lo.