Na foz de Alge, quando a ribeira com o mesmo nome se cruza com o Zêzere, no concelho de Figueiró dos Vinhos, norte do distrito de Leiria, não falta muito para se poder atravessar o rio a pé.

“Agora ainda não vai, mas breve já vai”, garantiu José Emílio, com o conhecimento dos seus 72 anos, ele que nasceu “quase à borda de água”, nos Caboucos, freguesia de Arega, e que noutras ocasiões, quando o nível da água do Zêzere desceu de forma acentuada, atravessou o rio de trator e a pé.

Quando a reportagem da agência Lusa o encontrou, José Emílio já tinha deslocado o seu barco a remos para água. “Fui pô-lo para a água, porque o rio desceu e [o barco] tinha ficado em terra”, afirmou José Emílio, que tem “licença para a pesca, para lançar rede ao rio”.

Não o faz porque não tem água. “O peixe está todo para baixo. Procura sempre a fundura”, explicou, desfiando as consequências da seca ou da falta de chuva para a contínua descida do nível da água do rio e para a aridez dos solos nas imediações. “É mau para toda a gente” e “vai dar um prejuízo de todo o tamanho“, segundo José Emílio. “Quando o rio está cheio, vem muita gente. Agora vem gente, porque nunca viu o rio assim”, desabafou, referindo que “se o rio encher até ao normal, como pertence, a casa do Clube Náutico fica isolada”.

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Ana Paula, de 50 anos, a trabalhar no restaurante junto à foz, falou em desolação, enumerando as atividades que o estado do rio leva consigo, do comércio à agricultura e ao turismo. E depois há “os animais, a natureza”, continuou. Do turismo, Ana Paula, confiante de que a chuva comece a cair, adiantou que as “pessoas deslocam-se pela curiosidade”.

Foi o que sucedeu com Maria Oliveira, de 23 anos, de Alvaiázere, que repetiu por estes dias a viagem que tinha feito em setembro à Foz de Alge, para confirmar, ao vivo, o que já tinha visto em imagens.”Em quatro meses passou-se isto?”, questionou, repetindo não acreditar que “isto estivesse assim”, que o rio que então fotografou e no qual andou de canoa está muito mais vazio, que a paisagem circundante está menos verde.

O presidente do Clube Náutico de Figueiró dos Vinhos, António Dias, também falou em desolação. “É uma desilusão total, fartamo-nos de trabalhar para nada. O arranjo de uma plataforma para acostagem de embarcações, como aquela que tivemos de a desmembrar toda, é uma despesa enorme e um grande transtorno para o clube”, afirmou António Dias.

António Dias, que trabalhou para a EDP e que foi “criado no rio”, explicou que perante uma situação destas é “com grande mágoa” que vê tudo ficar da forma que está. “Nós que somos criados no rio ganhamos amor a tudo aquilo (…). As pessoas que lá vivem não podem usar o rio nem para tirar a água, a agricultura que bombeia água do rio e neste momento é impossível também pescar. E a seguir vêm os fogos e não há água sequer para os meios aéreos, em caso de incêndio, atuarem”, elencou, acrescentando também o impacto no turismo que “é péssimo”. É um “somatório de preocupações”, resumiu o presidente do Clube Náutico.

Fonte da Câmara de Figueiró dos Vinhos expressou à Lusa preocupação face à falta de água no rio Zêzere, lembrou os impactos que a situação pode vir a ter no turismo no concelho e manifestou satisfação pelo anúncio do Governo de que a Barragem de Castelo de Bode deixará de produzir energia elétrica.

Figueiró dos Vinhos é um dos municípios abrangidos pela albufeira de Castelo de Bode. O Governo restringiu na terça-feira o uso de várias barragens para produção de eletricidade e para rega agrícola devido à seca em Portugal continental. Para já, há quatro barragens cuja água só será usada para produzir eletricidade cerca de duas horas por semana, garantindo “valores mínimos para a manutenção do sistema: Alto Lindoso e Touvedo, no distrito de Viana do Castelo, Cabril (Castelo Branco/Leiria) e Castelo de Bode (Santarém).

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