A forma como a máscara perturba a comunicação emocional é uma das questões abordadas no novo livro do especialista no estudo da expressão facial da emoção, Freitas-Magalhães, que considera que a pandemia Covid-19 provocou uma rutura nos padrões comunicacionais.
“A face é o grande atlas das emoções e se nós não conseguirmos identificar esses marcadores que estão devidamente e cientificamente estudados, nós temos dificuldade em comunicar uns com os outros e esta é uma das consequências gravíssima da pandemia: uma rutura nos padrões comunicacionais que já vinham de há muitos anos a esta parte”, declarou o autor Freitas-Magalhães.
À Lusa, o docente da Universidade Fernando Pessoa e Diretor do Laboratório de Expressão Facial da Emoção (FEELab/UFP), área a que se dedica há várias décadas, explicou que o livro é “uma a súmula de dois anos sobre o estudo da expressão facial da emoção em tempos de pandemia”, que neste contexto funcionou como um laboratório “vivo”, ao tornar possível de forma “natural” verificar como reagem as pessoas perante um obstáculo como é a máscara.
Com 330 páginas ilustradas, o livro “A Face das Emoções na Pandemia: O Cérebro Perdido”, agora lançado, aborda as implicações da pandemia na vivência e comunicação emocional, tendo em conta a construção cerebral, confirmando que a máscara origina ruído comunicacional emocional.
Procurando dar resposta a questões como é que o cérebro constrói as emoções perante a face com máscara ou quais os principais erros de perceção, o trabalho do docente e investigador concluiu que “o cérebro, de facto, sente-se perdido”, afirmou, descrevendo a máscara como causadora de “ruído comunicacional” e motivo base para “outro tipo de problemas, nomeadamente a nível emocional”.
“A partir do momento em que temos este obstáculo [a máscara], vai provocar constrangimentos, perceções que são muitas vezes erróneas em relação ao comportamento emocional e isto provoca ansiedade, provoca desgaste psicológico e provoca, em último caso, conflitualidade”, explicou.
Comparando a face a um palco e o cérebro a uma espécie de camarim onde a emocionalidade é construída através de um processo bastante complexo, o docente refere que o uso da máscara causa problema de perceção dos marcadores faciais.
“Nós fizemos um estudo longitudinal, estudamos as crianças, os adolescentes, os jovens, os jovens adultos e os senescentes [os que vão envelhecendo]. As crianças acabaram por revelar défices de perceção, mas esses, ao contrário dos outros grupos etários, serão mais facilmente recuperáveis”, indicou.
Nos outros grupos etários, “principalmente nos adultos e nos senescentes”, a situação, acrescentou, é “mais complexa”.
“Neste caso, o nosso cérebro já está mais do que habituado a saber ler esses marcadores da face e, quando eles não aparecem, então é que de facto surge o que nós denominamos de ‘lost brain’, ou seja, um cérebro perdido”, observou.
Em síntese, rematou, as crianças acabam por ser afetadas, mas facilmente vão recuperar desta situação, enquanto os outros grupos etários terão mais dificuldade em fazê-lo.
Em relação às diferenças de género, o investigador adiantou que a mulher continua a ser o grupo que continua a ter mais facilidade de identificação dos marcadores emocionais, apesar do obstáculo que se tornou a máscara.
Confrontado com as hipóteses de uma recuperação completa do que foi perdido em tempos de pandemia de Covid-19, Freitas-Magalhães salientou que, embora o cérebro tenha a capacidade de recuperar informação que se julgava perdida, não é possível recuperar o que os investigadores chamaram de “interação comunicacional”, uma vez que esta pode ser momentânea ou mesmo temporária, circunscrevendo-se a um dado momento
“Isto é: naquele momento, nós precisávamos de entender a emocionalidade do outro. A pandemia, de facto, afetou a emocionalidade humana e vai provocar prejuízos ao nível dessa recuperação”, rematou.
Publicado em edições portuguesa e inglesa, “A Face das Emoções na Pandemia: O Cérebro Perdido” insere-se no programa comemorativo dos 35 anos de vida literária e científica de Freitas-Magalhães.