“Impedida Ação Terrorista”; “O arguido encontra-se indiciado pela prática do crime de terrorismo”. O título e a frase do comunicado da Polícia Judiciária (PJ) dando conta da detenção do jovem de 18 anos que se preparava para levar a cabo esta sexta-feira um ataque na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa levantava a questão sobre o crime de terrorismo e a dúvida sobre se o suspeito detido antes de cometer o atentado poder ser condenado por esse mesmo crime. Os advogados ouvidos pelo Observador não têm dúvidas: o que distingue o terrorismo de outros crimes do direito penal comum é exatamente o facto de os atos preparatórios serem puníveis.

Paulo Sá e Cunha e Carlos Pinto de Abreu dão exatamente o mesmo exemplo: se alguém comprar veneno não se trata de um ato preparatório de um crime — ainda que possa usar a substância para matar alguém; mas se alguém tiver planeado um ato terrorista ou tiver objetos para cometer esse ataque, já pode ser condenado. Ainda que o crime nunca chegue a ocorrer, é punível com uma pena de dois a dez anos, sendo agravado no caso de consumação, dependendo dos danos causados.

“O terrorismo tem de ter como intenção subjacente o abalar os fundamentos do estado de direito”, explica o advogado Paulo Sá e Cunha ao Observador, enquanto descreve um suspeito de terrorismo como “alguém que atua com a intenção de perturbar o funcionamento normal do Estado, de intimidar certas categorias de pessoas ou a população em geral através da prática de um conjunto determinado de crimes”.

Perante a descrição, faz até a comparação com o caso de Alcochete — em que um grupo de adeptos invadiu a academia do Sporting e agrediu jogadores e elementos da equipa técnica — e é perentório: “Não foi um crime de terrorismo” porque não “perturbou o normal funcionamento do Estado de direito”. Aos olhos do advogado, aquelas pessoas tinham como intuito “intimidar” elementos do clube, contudo o ato “não tinha como princípio subjacente a alteração da tranquilidade pública enquanto bem geral”.

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Diogo Noivo, investigador da área do terrorismo, explica que é preciso perceber o que está por detrás da tentativa de ataque, já que “sem motivações ideológicas não há terrorismo”. Por esta razão, o especialista prefere ser “extraordinariamente cauteloso a classificar esta conspiração como terrorista”.

“O facto de estar armado e ter a intenção de provocar danos físicos a terceiros constitui uma ameaça à segurança pública. É com certeza um ato criminoso, contudo para dar o salto e se considerar um atentado terrorista tem de haver um conjunto de preceitos”, reitera o investigador.

O advogado e jurista António Pinto Pereira explicou que a lei portuguesa tem como base uma lei europeia, sendo o terrorismo um “crime transnacional e que normalmente é acoplado a outro tipo de crimes”. O especialista sublinhou também, na Rádio Observador, que a lei permite “uma redução significativa da pena se houver colaboração com as autoridades e se permitir desvendar o obscurantismo do ato que pretendia praticar”. “Custa-me a crer que alguém tenha a ousadia de dar um passo destes sozinho“, argumentou, levantando a questão sobre se o jovem agiu sozinho ou se havia mais pessoas envolvidas, sendo que, até agora, a Polícia Judiciária apenas revelou a detenção de um suspeito e nunca falou em cúmplices.

O caso idêntico numa escola de Massamá

Pedro Proença, advogado que defendeu, em 2014, um jovem de apenas 15 anos, também acusado de terrorismo por esfaquear quatro pessoas numa escola em Massamá, admitiu, na Rádio Observador, que notou “paralelismo evidentes entre os dois casos” e apelou a uma “intervenção da psiquiatria”.

Ataque à FCUL. “Notei paralelismos entre os dois casos”

“Toda a planificação antecipada, os meios também se assemelham, o que está em causa será a acusação pela prática do crime de terrorismo, que foi o que aconteceu em 2014″, lembra, frisando que a acusação “caiu em julgamento” porque “não ficou provada a intenção de criar uma situação de alarme público com a prática de um ato que provocasse consternação na sociedade”.

O advogado relembrou que “o jovem tinha evidenciado sinais particulares preocupantes” que, a serem monitorizados, poderiam ter “evitado aquele comportamento”. “Neste caso, o jovem tinha comportamentos de isolamento, antissociais, de alguma insatisfação sobre aquilo que era a sociedade, [que foi] traduzido em alguns comportamentos que não foram suficientemente valorizados pelos pais e que se traduziram na reprodução de um atentado à americana”, explicou.

Pedro Proença reiterou que os sinais que existiam há alguns anos, “se tivessem sido suficientemente acompanhados, poderiam ter permitido evitar o comportamento”. Perante o caso do jovem agora detido e que planearia um ataque na Universidade de Lisboa, o advogado disse ser relevante fazer um “esforço para compreender se houve factos que poderão ter sido o gatilho deste tipo de comportamento”.

“É muito provável que o que aconteceu com este jovem seja o produto de um conjunto de fatores que se foram reproduzindo ao longo dos anos, que provocaram um recalcamento psicológico, que importa apurar”, sublinhou, ao argumentar que “é muito importante a imediata intervenção da saúde mental e psiquiátrica”.