O juiz Ivo Rosa já tinha aberto esta hipótese e concretizou no passado dia 26 de janeiro, levantando o arresto de 700 mil euros depositados numa conta do Deutsche Bank em nome de Maria João Bastos Salgado, a mulher de Ricardo Salgado.
O magistrado que lidera a instrução criminal do caso Universo Espírito Santo não viu “factos concretos” que indiciem que “o arguido Ricardo Salgado” agiu “em conluio com Maria João Bastos” para esconder 700 mil euros, lê-se no despacho assinado por Ivo Rosa que foi notificado às partes esta sexta-feira.
Ivo Rosa optou assim por não dar relevância ao facto de os 700 mil euros em causa advirem da venda de um imóvel da herança da mãe de Ricardo Salgado, sendo que imediatamente a seguir ao crédito desse montante na conta de Maria João Bastos Salgado foram dadas duas ordens de transferência (entretanto suspensas): de 240 mil euros para pagar contas do ex-líder do BES num escritório de advogados e 350 mil euros para a filha do casal Salgado.
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Mais: o juiz Ivo Rosa acusou ainda o Ministério Público de ter praticado uma omissão, pois não terá alegado no requerimento que levou o seu colega Carlos Alexandre a declarar o arresto que a transmissão dos 700 mil euros de Ricardo Salgado à sua mulher teria sido apenas formal “com o objetivo de o retirar da esfera da ação da Justiça” para “obter a garantia da satisfação do seu crédito.”
Esta decisão de Ivo Rosa, contudo, poderá não ter o efeito prático desejado pela defesa: a disponibilização imediata dos 700 mil euros à mulher de Salgado. Tudo porque o MP já se tinha antecipado e, no âmbito do processo administrativo do Banco de Portugal no qual o ex-líder foi condenado ao pagamento de uma multa de 3,7 milhões de euros por várias contra-ordenações muito graves, interposto uma providência cautelar para os fundos continuem arrestados para pagar a multa ao banco central. Tal providência foi deferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, como o Expresso noticiou em janeiro.
Lesados não podem ser beneficiados do arresto
Outro aspeto do despacho de Ivo Rosa, tão ou mais importante do que o levantamento do arresto de 700 mil euros da conta de Maria João Bastos Salgado, prende-se com os mais de 120 assistentes constituídos nos autos que se consideram lesados da gestão do BES liderada por Ricardo Salgado.
Ora, o juiz de instrução criminal considera pura e simplesmente que os lesados não podem ser beneficiados com os arrestos que pretendem assegurar o pagamento de mais de 1.835 milhões de euros — o que coloca em causa a estratégia prosseguida pelo Ministério Público neste e noutros processos criminais, como o caso BPP, na constituição de arrestos para financiar o pagamento de indemnizações aos clientes prejudicados.
“Resulta claro que ao Ministério Público [MP] apenas compete representar os interesses do Estado e não a de eventuais créditos resultantes da obrigação de pagamentos de pedidos de indemnização ou doutras obrigações cíveis tituladas por privados, ainda que decorrentes de crimes de natureza público de que um arguido se mostre acusado”, escreve Ivo Rosa.
Logo, e de acordo com o juiz de instrução criminal, o “MP carece de legitimidade para requerer o arresto preventivo de bens do arguido com vista a assegurar eventuais pagamentos de pedidos de indemnização ou ouras obrigações cíveis tituladas por privados”.
A consequência lógica deste raciocínio é que o nem “o assistente BES, SA – em liquidação, assim como os demais 127 assistentes destes autos, não tenha de ser ouvido e nem exercer o contraditório quanto aos termos deste incidente de arresto.” Uma decisão que já levantou muita polémica entre os assistentes e deverá levar certamente o BES em liquidação e os restantes assistentes a contestarem esta decisão nos tribunais superiores.