O antigo presidente do BES, que ficou conhecido como “Dono Disto Tudo”, vive agora com uma reforma de 1.200 euros dos 20 mil que recebia antes de ver todos os seus bens serem arrestados nos processos crime que enfrenta. Ricardo Salgado tem, porém, a ajuda da filha mais velha, que vive na Suíça e é casada com o dono e gestor da Societé Industrielle et Commerciale de Produits Alimentaires, lê-se no relatório social que consta no processo em que está a ser julgado por três crimes de abuso de confiança, um processo separado da Operação Marquês consultado pelo Observador.

São apenas sete as páginas de um relatório que tem data de 15 de junho de 2020, cerca de um mês antes do relatório médico entregue pela defesa de Salgado no processo e que atesta que o antigo banqueiro sofre de doença de Alzheimer. Neste relatório social, o técnico superior de Reinserção Social e a sua coordenadora afirmam que, apesar de Salgado ser descrito como “uma pessoa resiliente e determinada”, atualmente revela-se “fragilizado física e psicologicamente, abatido, sem a energia e sagacidade que lhe seriam conhecidas”.

O arguido tem vindo a perder a força e a determinação que lhe eram características, mostra-se abatido e evidencia uma lentificação generalizada, falhas de memória, encontrando-se em fase de realização de exames médicos que permitem fazer um diagnóstico sobre a sua situação de saúde”, lê-se.

Mesmo assim, e à semelhança do que o procurador do Ministério Público alegou em tribunal quando pediu que fosse condenado a uma pena de dez anos de cadeia, o relatório conclui que o antigo banqueiro “não elabora um raciocínio de autocensura relativamente” aos crimes por que vem acusado. Enquadrando-os no “plano profissional” que destruiu a sua carreira e a sua imagem “pessoal, familiar e social”.

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No relatório lê-se que o arguido, que neste processo está acusado por três crimes de abuso de confiança, é apoiado pela filha, casada com um homem “abastado”, cuja empresa que detém é responsável pela proteção de segurança de produtos tão diversos como notas e documentos.

Também a carreira de Salgado é descrita neste documento — elaborado a partir de uma entrevista ao ex-banqueiro, noutra à sua mulher Maria João e uma terceira ao seu amigo José Simas, amigo de longa data, assim como em informação publicada no site Wikipedia. Os técnicos referem que agora Salgado mantém um “estilo de vida recatado, raramente saindo de casa”. Lê jornais, prepara a sua defesa nos processos e está a escrever as “suas memórias, com as quais refere pretender repor a verdade aos seus descendentes”.

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Os técnicos lembram ainda ao tribunal que Ricardo Salgado nasceu numa família de elevado estatuto socioeconómico, sendo ele bisneto do fundador do BES. O próprio Ricardo Salgado reconhece ter crescido num “ambiente privilegiado, no plano material e cultural”. Ricardo Salgado sempre quis formar-se em engenharia naval, mas por pressão familiar, “sobretudo da avó materna”, licenciou-se em Finanças para seguir a carreira do avô. Foi dos melhores alunos.

Ricardo Salgado tinha 24 anos quando corria o ano de 1968. Foi nesse ano que casou com a atual mulher. Na altura vivia com a herança que o avô lhe tinha deixado e foi trabalhar para o BES. No 25 de abril de 1974 ele era o subdiretor. Depois de o banco ser nacionalizado, foi demitido, embora depois tenha sido convidado a voltar. Só que vários dos seus familiares foram presos e quando foram libertados acabaram todos por abandonar Portugal rumo ao Brasil.

Salgado já tinha entretanto dois filhos e, antes de se juntar a eles e à mulher no outro lado do Atlântico, ainda viveu em Londres. Alguns dos seus familiares também escolheram a capital britânica, assim como Angola e Suíça, reorganizando assim o Grupo Espírito Santo.

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Em 1982 Salgado mudou-se para a Suíça com a família e tem o terceiro filho. Segundo o próprio, a convite do então Presidente da República, Mário Soares, regressou a Portugal em 1991 para o BESCL (Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa), que foi reprivatizado e recuperado pelo GES e pela Caisse Nationale du Crédit Agricole (CNCA).

Até 2014 o arguido foi Presidente Executivo do BES. Este foi o ano do colapso, em que o Banco de Portugal determinou o seu afastamento por causa de alegadas irregularidades no grupo. Enfrenta agora vários processos crime, um deles separado da Operação Marquês, em que é acusado de três crimes de abuso de confiança por causa de cerca de dez milhões de euros que saíram de uma conta do GES e que foram parar às suas contas. O Ministério Público quer que seja condenado a dez anos de cadeia. O tribunal anunciará a sua decisão a 7 de março.