“Encantava as crianças de Berlim” num dos momentos mais difíceis da História da capital alemã em plena Guerra Fria. Conhecido por “bombardeiro de doces”, Gail Halvorsen morreu quarta-feira aos 101 anos, noticia o New York Times. Ficou conhecido por ter realizado um gesto insólito num momento em que Estaline decidiu levar o cabo o bloqueio de Berlim — em que foram fechadas todas as vias terrestres que ligavam a parte ocidental da cidade ao resto da Alemanha.
Num mundo fortemente bipolarizado, a União Soviética fez um braço de ferro com o Ocidente. Berlim estava, em 1948, dividida entre as quatro potências vencedoras da II Guerra Mundial (França, Reino Unido, EUA e URSS). As forças norte-americanas e britânicas planeavam juntar as duas zonas de influência, algo que desagradou a Moscovo. Favorecido pelo facto de Berlim estar no meio da Alemanha controlada pelas forças soviéticas, Estaline bloqueou os setores da cidade controlados pelo Ocidente, impedindo-os de receber mercadorias.
Em consequência, a população de Berlim Ocidental podia ficar sem comida nem combustível, mas o Ocidente uniu-se para assegurar mantimentos à população local. Como tal, EUA, França e Reino Unido empreenderam uma ponte aérea, que distribuía bens alimentares e também medicamentos desde aviões, algo que frustrou Estaline e que deitou por terra a sua estratégia de destabilização.
No meio desta operação, estava o piloto Gail Halvorsen. Num dia de julho de 1948, o norte-americano notou 30 crianças alemãs de roupas rasgadas junto a uma cerca. Tendo-se comovido com a imagem, decidiu dar-lhes pastilhas elásticas. “O olhar nos seus olhos… Eu podia ver a apreciação deles por algo tão pequeno”, lembrou, conta o New York Times.
Depois deste episódio, Gail Halvorsen queria ir mais longe e prometeu às 30 crianças que lhes daria doces mais tarde. Mas o plano aumentou em complexidade — o piloto ia passar a lançar doces do avião, em pleno voo, juntamente com os mantimentos.
E assim foi. Durante meses, o piloto lançou 23 toneladas de doces, entre os quais rebuçados, chocolates e pastilhas elásticas, embrulhados em pequenos paraquedas, às crianças de Berlim Ocidental. Ursula Yunger, nascida em Berlim, recorda que o piloto “encantava as crianças berlinenses” não só pelos doces: “Era o seu gesto. Mostrava-nos que alguém queria saber de nós”.
Numa entrevista citada da CNN pelo New York Times, Gail Halvorsen recordou este episódio, dizendo que era feliz “a servir os outros”. “Voava dia e noite para servir o nosso antigo inimigo [Alemanha, na II Guerra Mundial] e os meus sentimentos de realização e de ser valioso foram os mais fortes que alguma senti”.