O Conselho de Segurança da ONU esteve reunido de emergência na noite de segunda-feira (já de madrugada na hora portuguesa) para discutir a crise militar e diplomática atualmente em curso na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. “As próximas horas serão críticas”, disse a vice-secretária-geral da ONU quando abriu a sessão, que foi convocada de urgência a pedido da Ucrânia, poucas horas depois de a Rússia ter anunciado o reconhecimento formal da independência das regiões de Donetsk e Lugansk, parcialmente controladas por separatistas pró-Moscovo.
Durante a reunião, os vários países com assento no Conselho de Segurança condenaram duramente a decisão de Putin, apelaram à Rússia para que revertesse a decisão e procuraram isolar a Rússia no plano global. Já o embaixador russo na ONU respondeu que depende da Ucrânia evitar a guerra e disse que a Rússia está a agir para evitar um “banho de sangue” na região separatista.
Rosemary DiCarlo, vice-secretária-geral da ONU, abriu a reunião do Conselho de Segurança com uma sentença dura. “Lamentamos esta decisão, que tememos que possa ter repercussões regionais e internacionais”, disse, sobre a decisão de reconhecer a independência das repúblicas separatistas. DiCarlo relembrou que a ONU pretende “a continuação do diálogo” e uma “resolução pacífica” para a atual situação. “As próximas horas serão críticas. O risco de conflito militar é real”, rematou a representante das Nações Unidas.
Sanções “direcionadas”
Nicolas de Revière, embaixador francês na ONU, apelou à Rússia que “acompanhe as suas palavras com atos” sobre os compromissos de continuar o diálogo diplomaticamente. “Estamos a preparar sanções a nível europeu direcionadas aos que prepararam estas medidas”, garantiu o responsável francês, que fala numa “violação falagrante da integridade territorial da Ucrânia”.
Na mesma reunião, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU disse que a decisão da Rússia de reconhecer como independentes as províncias de Donetsk e Lugansk, é “a base para criar um pretexto para mais invasão da Ucrânia”, um passo que terá consquências que se “vão sentir muito além da Ucrânia”.
Linda Thomas-Greenfiled, disse considerar “um disparate” dizer que as tropas enviadas pela Rússia para Donbass são de “manutenção de paz”, como afirmou o Presidente russo. “A história diz-nos que olhar para o lado perante tal hostilidade resulta num preço alto a pagar”, afirmou. A embaixadora alertou para o impacto humanitário de uma guerra na Ucrânia. “Vamos ver enormes perdas de vidas, uma crise refugiados em toda a Europa”, comentou.
Thomas-Greenfiled deixou ainda claro que os Estados Unidos “não têm qualquer intenção de dar armas nucleares à Ucrânia e que a Ucrânia não as quer”. “Putin quer que o mundo viaje para trás no tempo, para um tempo antes da ONU e em que os impérios dominavam o mundo. A ONU foi fundada no princípio de descolonização, não de recolonização”, criticou, alertando que “as consequências das ações da Rússia vão ser terríveis, na Ucrânia, na Europa e no mundo”.
A embaixadora britânica na ONU, Barbara Woodward, alertou para as “consequências” que a ação da Rússia vai ter “em primeiro lugar para a vida humana”. “O impacto vai ser terrível sobre os civis que fugirão do conflito”, disse.
Woodward alertou para a violação da integridade territorial da Ucrânia e relembrou que está em causa a Carta de Princípios da ONU. Diz ainda que a ação da Rússia goza com “o Acordo de Bucareste e os Acordos de Minsk”. “As ações da Rússia demonstram um desprezo claro pela lei internacional”, disse a embaixadora britânica, anunciando que haverá “consequências económicas graves” para a Rússia.
A representante do Reino Unido disse ainda que “a Rússia nos levou à beira do abismo”. “Incentivamos a Rússia a que recue”, rematou.
O representante chinês, o embaixador Zhang Jun, fez apenas uma declaração curta na reunião. “Apreciamos todos os esforços diplomáticos”, disse, sobre a situação na Ucrânia — e reforçou o seu compromisso com “uma solução pacífica”. Contudo, Zhang Jun notou que a situação no país “resulta de várias questões complexas” e apelou a que sejam resolvidas cumprindo a Carta de Princípios da ONU. Pediu também “contenção” a todas as partes envolvidas.
A representante da Alemanha, a embaixadora Antje Leendertse, condenou a decisão de Putin, que comparou com a “anexação ilegal da Crimeia”, e descreveu como um pretexto para invadir a Ucrânia “como um todo”. “O meu país condena a violação do território e soberania da Ucrânia nos piores termos possíveis” e vai implementar “medidas firmes e adequadas ao abrigo da lei internacional” que trarão consequências económicas, políticas e estratégicas para a Rússia.
“Apelo à Rússia a cumprir as suas obrigações como membro permanente deste Conselho e a revogar as decisões tomadas e voltar a comprometer-se com os Acordos de Minsk”, retirando as tropas da fronteira, reforçou.
Evitar a guerra depende da Ucrânia, diz Rússia
“É importante, agora, evitar a guerra e forçar a Ucrânia a parar as hostilidades e provocações contra Donetsk e Lugansk”, afirmou na reunião o representante da Rússia na ONU, Vasily Nebenzya. O apoio da Rússia a estas regiões não foi algo que aconteceu subitamente, pelo contrário, disse. Ambas declararam independência em 2014, mas só agora a Rússia o reconhece. “A esperança, à época, era que a Ucrânia parasse de falar com os seus cidadãos na linguagem de canhões e tiros e ameaças”.
A eleição de um novo Presidente, em 2019, parecia uma oportunidade abrir portas ao diálogo entre Kiev e as regiões separatistas, mas nada mudou, argumenta Vasily Nebenzya. “A Ucrânia violou os acordos de Minsk”, acusou.
“Continuamos abertos à diplomacia, a uma solução diplomática. Contudo, permitir um banho de sangue em Donbass é algo que não pretendemos fazer.” O representante russo alegou ainda que a Rússia acolheu mais de 60.000 refugiados ucranianos e que centenas de civis foram mortos nos últimos dias. E apelou ao Ocidente que incentive a Ucrânia a travar as hostilidades e a deixar de lado às “reações emocionais” face à resposta russa, para não “tornar as coisas piores”.
“Todos os membros da ONU estão sob ataque”
Apesar de a Ucrânia não fazer parte do Conselho de Segurança da ONU neste momento, o seu embaixador, Sergiy Kyslytsya, foi autorizado a falar. Kyslytsya começou por falar num “vírus” que está nas Nações Unidas, mas que não é a Covid-19: “É o vírus que está aqui a ser espalhado pela Federação Russa”, acusou.
“Hoje todos os membros da ONU estão sob ataque”, decretou o embaixador ucraniano, que enumerou outros “ataques” levados a cabo pela Rússia, como “a invasão da Geórgia em 2008” e o “início da guerra em Donbass, em 2014”.
Sergiy Kyslytsya disse que a Rússia “retirou-se unilateralmente dos Acordos de Minsk” hoje. “A Rússia legalizou a presença das suas tropas — que já estão em Donbass desde 2014”, resumiu.
Sergiy Kyslytsya deixou ainda uma mensagem para os restantes membros do Conselho de Segurança: “Esperamos passos claros e eficientes dos nossos parceiros”, afirmou, acrescentando que “é crítico percebermos quem são os nossos amigos agora”.
O embaixador ucraniano disse que a Ucrânia “não tem medo de ninguém”. “Não estamos em fevereiro de 2014, estamos em fevereiro de 2022. É outro país, outro exército, com o único objetivo da paz”, disse, comparando a situação atual com a da ocupação da Crimeia pelas tropas russas há oito anos.
“Convidamos a Federação Russa a ler e reler, com cuidado, a declaração de hoje em que o secretário-geral da ONU considera a decisão uma violação da integridade territorial da Ucrânia e da Carta de Princípios da ONU”, afirmou ainda Sergiy Kyslytsya, agradecendo a António Guterres a “declaração poderosa”.
O embaixador pediu à Rússia que cancele a decisão de reconhecer a independência das repúblicas separatistas. E exigiu “uma retirada comprovada das tropas ocupantes”. “A ONU está doente, isso é um facto. Foi afetada pelo vírus espalhado pelo Kremlin. Vamos sucumbir a este vírus? Está nas mãos dos membros”, declarou.
O representante ucraniano sublinhou que a Rússia fez “copy-paste” do que escreveu aquando da invasão da Geórgia em 2008. “Quem se seguirá?”, questionou, antes de terminar a sua declaração.