A psiquiatra Ana Matos Pires defendeu esta quarta-feira que o suicídio é um comportamento raro que deve ser falado com “muita cautela”, alertando para o impacto enorme que este “ato sem retorno” tem nos sobreviventes.
“As temáticas do suicídio podem e devem ser faladas, a questão é a maneira como falamos delas”, disse em entrevista à agência Lusa Ana Matos Pires, membro da Coordenação Nacional das Políticas para a Saúde Mental, em particular da área do suicídio.
Para a especialista, falar de aumentos ou diminuições de taxas de suicídio deve ser feito com “muita cautela”, porque “felizmente é um fenómeno raro”.
“Sendo um fenómeno raro, basta que haja uma ou duas mortes a menos ou uma ou duas mortes a mais para haver implicações nessas taxas” que podem não ter significado em termos de saúde pública, afirmou a psiquiatra quando questionada pela Lusa se a pandemia teve impacto no número de suicídios em Portugal.
Por outro lado, é um problema de saúde pública, porque é “um ato sem retorno”, com “implicações enormes” nos sobreviventes (família, amigos, colegas de trabalho).
“Há um círculo de pessoas que são afetadas quando alguém se suicida”, sustentou a também diretora da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo e coordenadora regional da Saúde Mental do Alentejo.
Apesar de “uma percentagem enormíssima” dos suicídios acontecer no contexto de uma perturbação mental e, em particular, de uma perturbação depressiva, a psiquiatra esclareceu que o suicídio não é uma doença, mas sim um comportamento.
Por isso, explicou, é que as alterações das taxas de suicídio devem ser avaliadas em períodos entre três e cinco anos para se poder tirar ilações.
“Não se deve comparar os suicídios em 2020 ou 2021 com 2022. Isto é uma verdade epidemiológica para todos os fenómenos raros“, sublinhou.
Neste momento, não há dados em Portugal sobre um eventual efeito da pandemia na taxa de suicídio, mas Ana Matos Pires disse “ser expectável que tenha havido um aumento dos comportamentos suicidários, muito em reação do aumento da sintomatologia da patologia depressiva”.
Para responder às temáticas do suicídio, Portugal tem o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio: “É um excelente plano que esteve muito tempo na gaveta e que o então programa para a saúde mental se comprometeu em 2019 a reativar”, o que aconteceu.
Apesar da pandemia ter desacelerado a sua implementação, o plano “não ficou parado”, tendo sido desenvolvida a “Campanha Nacional de Prevenção do Suicídio” e criado um site.
Em Portugal, cerca de três pessoas morrem por suicídio a cada dia, e muitas mais tentam fazê-lo. Este fenómeno não escolhe classes, género, idade ou região geográfica.
A Campanha Nacional de Prevenção do Suicídio pretende mudar atitudes em relação ao suicídio e à doença mental, aumentar a literacia em saúde mental e lutar contra o estigma e incentivar ao pedido de ajuda às pessoas em risco para reduzir o número de suicídios em Portugal.
“A melhor estratégia de combate ao suicídio é a sua prevenção”, defendeu Ana Matos Pires, frisando que, “como comportamento humano que é, o suicídio nunca será igual a zero”, devendo apostar-se no diagnóstico e no tratamento atempado e eficaz da perturbação depressiva para diminuir este fenómeno.
Deve também ter-se em atenção alguns grupos, como as forças de segurança e a população LGBTI, que estão mundialmente identificados como grupos de risco para os comportamentos suicidas e para o risco de suicídio acrescido.
Para a psiquiatra, a prevenção do suicídio não é só uma obrigação da saúde: “A saúde é muito importante no aumento da literacia e no tratamento de eventuais doenças psiquiátricas que estejam por trás da ideação suicida, mas a prevenção do suicídio é um assunto que diz respeito a nós todos enquanto sociedade”.