O Governo tem em curso uma operação para trazer para Portugal todos os ucranianos que pretendam. No país que está a ser atacado pela Rússia desde esta madrugada estão “202 cidadãos portugueses, 160 luso-ucranianos tão portugueses como os demais”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros numa reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República. Mas a operação portuguesa estende-se a todos os outros ucranianos que “desejam ou tenham de sair” do país por via terrestre, já que o espaço aéreo está fechado. Uma abertura saudada no Parlamento onde foi unânime — a começar pelo presidente Ferro Rodrigues — a condenação da violência na Ucrânia, embora o PCP aponte a NATO como responsável e não Vladimir Putin.

“O Presidente Putin é o responsável por trazer de volta a guerra ao continente europeu”. A frase é de Rui Rio, mas podia ser de Augusto Santos Silva já que, esta quinta-feira no Parlamento, o ministro interveio na mesma linha não poupando o presidente russo: “Não há assimetrias, a culpa não é de todos. A responsabilidade não é de todos. Tem um nome e um rosto e o nome é Valdimir Putin, o rosto é o dele”. O ministro dos Negócios Estrangeiros até citou Rui Rio, a dada altura do debate, mostrando o total alinhamento entre as duas maiores forças políticas nesta matéria, ao dizer que as sanções até podem prejudicar a Europa, mas que têm de avançar.

Aliás, foi o capítulo que mais questões suscitou na oposição à esquerda e no PAN. Afinal, que sanções serão aplicadas, se pouparão oligarcas e os respetivos investimentos em solo nacional, nomeadamente os vistos gold. Santos Silva garantiu que não: “Qualquer cidadão russo, residindo em Portugal a qualquer título, com qualquer tipo de autorização, sendo também ou não sendo cidadão português, que faça parte da lista dos sancionados está sujeito à limitação de movimentos em Portugal e ao congelamento dos seus ativos financeiros”. A lista de nomes já ultrapassa “as 500 pessoas individuais e coletivas”, disse Santos Silva quando Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, perguntou concretamente sobre a suspensão dos vistos gold atribuídos a cidadãos russos. E a resposta foi a mesma quando Inês Sousa Real repetiu a questão.

Um novo pacote de sanções económicas à Rússia vai ser decidido numa cimeira extraordinária convocada de urgência para esta quinta-feira e nela vai participar o primeiro-ministro António Costa. O que for decidido será aplicado em Portugal como nos outros Estados-membros, garantiu Santos Silva, independentemente de terem autorização de residência: “Qualquer que seja o tipo de autorização de que sejam titulares, se estão na lista dos sancionados, são sancionados em Portugal como em qualquer outro Estado da UE”. Os investimentos serão congelados.

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Para os 202 portugueses na Ucrânia e não só

Esta será parte da ação conjunta em que Portugal tomará parte, no âmbito da União Europeia. Mas o país também decidiu abrir portas a quem o procurar como refúgio no contexto deste conflito. Foi isso mesmo que detalhou o ministro, que começou por dizer que “Portugal está inteiramente disponível não só para acolher estes [luso-descendentes] como todos os amigos, familiares, vizinhos e conhecidos da comunidade ucraniana a viver em Portugal e todos os que esta barbára agressão russa obrigue a deslocar para fora do país”. Quando foi questionado, a dada altura do debate, se com esta declaração estava a impor limites a apenas quem tivesse alguma ligação ao país, Santos Silva esclareceu que não. A posição foi saudada em particular pelo PS e também pelo CDS.

E o caso ainda serviu para reparos nacionais. O mais curto foi com André Ventura, que se mostrou preocupado com a dependência energética da Europa face à Rússia e questionou o ministro sobre o impacto ao nível dos preços dos combustíveis. Mas Santos Silva nem tocou nessa questão na resposta a Ventura e aproveitou apenas para avisar que o que se passou esta madrugada na Ucrânia deve ser “uma lição” para o Parlamento português. “Também a autocracia leva à guerra”, afirmou Santos Silva apontando ao líder da extrema-direita.

O outro reparo foi para o PCP, partido a que o ministro chegou mesmo a dar “13 segundos para condenar” a Rússia, depois de uma intervenção em que o líder parlamentar João Oliveira não o tinha feito — e continuou sem fazer. O comunista tinha acabado de defender que fosse travada a “escalada da confrontação política”, mas atribuindo responsabilidades à NATO. O parceiro do PS nos últimos seis anos diz que o problema tem raízes no passado: “Já vimos acontecer na Jugoslávia, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia ou na Síria. É o problema da utilização do cerco, da confrontação e da guerra para impor pela força relações económicas geradoras de maiores injustiças e desigualdades ou a apropriação de recursos naturais e energéticos”. Em suma: “É o problema da utilização da NATO como instrumento desses objetivos e o problema da subordinação da União Europeia à política belicista dos Estados Unidos e da NATO”.

A guerra, diz o deputado, “não serve aos ucranianos nem aos russos e tampouco serve aos restantes povos europeus. Mas serve ao Governo dos Estados Unidos e ao seu complexo industrial-militar”, argumentou ainda o comunista que ouviu Santos Silva, logo de seguida, contra-argumentar que “essa escalada existe há meses porque a Rússia tem reunido armas e equipamento de combate nas fronteira com a Ucrânia” e desafiou mesmo João Oliveira: “Ainda tem 13 segundos para condenar” a ação russa. O comunista contestou e disse que o PCP “fez mais do que isso” e condenou “todo o caminho que trouxe até aqui”, mantendo a sua posição.

No Bloco de Esquerda, a condenação da violência existe, embora com um travão a fundo sobre o envolvimento militar de Portugal. O partido não quer que Portugal “alimente escalada militar”: “Essa é uma escolha errada com a qual o BE não irá compactuar”, afirmou no plenário o líder parlamentar Pedro Filipe Soares. “O Bloco de Esquerda condena, sem reserva, o ataque que está em curso e a ocupação de território de um país soberano. Não há imperialismos bons e imperialismos maus, são todos perigosos para os povos e por isso rejeitamos a ação militar russa”, disse ainda o deputado suscitando uma reação em Santos Silva que aproveitou logo para referir que neste caso concreto, o “culpado” tem um rosto e um nome: Vladimir Putin.

Foi um debate em que o Governo socialista esteve mais longe da esquerda, com Augusto Santos Silva a elogiar até a cooperação de Rui Rio durante todo o processo de partilha de informações sobre a situação de tensão (antes dos ataques desta quinta-feira) e a citar o líder do PSD durante as suas intervenções parlamentares. Até chegou a elogiar outro ex-líder do PSD, menos saudado pelo PS, ao revisitar declarações de Pedro Passos Coelho sobre os perigos da dependência energética da Europa face à Rússia.