O Chega deu orientações aos deputados eleitos para não falarem com a comunicação social sem passar pela assessoria de imprensa. No momento em que André Ventura passou a ser apenas um de 12 representantes na Assembleia da República, o partido decidiu alterar a forma de gerir a comunicação com os jornalistas e apertou as regras dentro do Parlamento.
“Tem de passar tudo pela Patrícia.” A frase é repetida por vários deputados contactados pelo Observador e reflete um novo modelo de funcionamento da comunicação interna em que todos os pedidos que chegam aos representantes do Chega, desde entrevistas a declarações isoladas, independentemente do tema, têm de ser aprovados pelo gabinete de comunicação encabeçado por Patrícia Carvalho, vogal da direção e assessora do partido desde 2019.
De acordo com dirigentes do Chega ouvidos pelo Observador, a questão foi discutida numa reunião de deputados — em que Patrícia Carvalho marcou presença — e o tema foi trazido pela própria responsável, por considerar que a comunicação do partido estava a tornar-se confusa pela quantidade de pedidos que chegam diretamente aos deputados. Mais do que isso, e tendo em conta que esta cacofonia iria tornar-se ainda mais comum por causa do crescimento abrupto do número de deputados, o Chega decidiu agir por antecipação.
A decisão foi anunciada numa reunião de direção e, daí em diante, os deputados estão proibidos de responder por escrito ou oralmente à imprensa e de falar diretamente com jornalistas. De resto, recentemente, as declarações do Diogo Pacheco Amorim, deputado e ex-vice do partido, sobre a cor de pele dos portugueses e a resposta do dirigente e deputado Pedro Pinto (“Não diria dessa maneira, todos os que nascem em Portugal são portugueses“), obrigaram André Ventura a desdobrar-se em esclarecimentos.
Um dos deputados ouvidos pelo Observador esclarece que os parlamentares — a maioria são também dirigentes do partido — mantêm a liberdade de expressão. “Apenas tem de haver uma passagem pela assessoria”, sugere. Trata-se, sublinha o mesmo deputado, de uma “questão de estrutura e de trabalho” pela necessidade de o partido “ter uma linha”.
Lei da rolha estende-se ao núcleo duro
Esta não é a primeira vez que o partido impõe a lei da rolha. André Ventura conseguiu aprovar a diretiva 3/2020, na II Convenção Nacional do Chega, e foi alvo de várias críticas por se considerar, internamente, uma tentativa de silenciar quem não está de acordo com o líder do Chega. As queixas foram ignoradas pela direção do partido, que até criou uma Comissão de Ética, coordenada por Rui Paulo Sousa, para levar a cabo as suspensões e expulsões no partido.
Na altura, o coordenador da Comissão de Ética assegurou ao Observador que não estava em causa “uma questão política ou de opinião, inclusive sobre o partido ou a política do partido”, mas sim uma questão de “ofensas, difamações ou insultos gratuitos entre os membros do partido”. Aliás, o próprio líder do Chega já tinha utilizado o argumento de que não se tratava de travar a “liberdade de expressão dentro do partido”, insistindo que era preciso controlar a “desorganização e o caos”.
“Se eu não tiver mão firme no partido, como posso ter para governar Portugal?”, perguntou Ventura, antecipando os embaraços que poderiam surgir no futuro e que têm tem vindo a ganhar dimensão à medida que o Chega vai ganhando mais protagonistas que não Ventura.
Desde o caso dos Açores — em que perdeu um deputado — até às eleições autárquicas, André Ventura deparou-se com problemas internos que já levaram à saída de autarcas e a representantes, o que aumentou o nível de alerta do líder do partido, nomeadamente na escolha dos deputados, em que admitiu ter apostado em pessoas leais ao partido e ao próprio líder.
Ventura segue as pisadas de Rio
Depois de vencer as eleições internas em 2020, Rui Rio também impôs uma lei da rolha no PSD. O líder do PSD anunciou, através de um e-mail, novas regras para a comunicação do partido e, entre elas, proibiu os parlamentares sociais-democratas de falarem diretamente com jornalistas.
“Os contactos com a comunicação social deverão, por isso, ser sempre efetuados de forma articulada através da assessoria de imprensa”, podia ler-se na nota enviada aos deputados, que alertava para a necessidade de toda a comunicação passar pela equipa de assessoria do PSD.
O objetivo, esclarecia o partido, era otimizar o trabalho desenvolvido nas diversas áreas de atuação, mas a regra não caiu bem no seio de muitos deputados do PSD. No Chega, ainda ninguém contestou a regrou. Para já, pelo menos.