O plano inicial era ficar mais afastada das câmaras no momento em que seguraria o cartaz antiguerra, durante a transmissão do noticiário do Canal 1, canal de televisão estatal russo, na passada segunda-feira. Mas depois Marina Ovsyannikova percebeu que teria de ficar mais perto da pivot para garantir que os telespectadores viam a mensagem que tinha escrito no cartaz: “Parem a guerra. Não acreditem na propaganda. Aqui, estão-vos a mentir”. E por isso, mudou de estratégia:
“Decidi que seria capaz de passar pelo segurança que fica na frente do estúdio e ficar atrás da pivô. Então movi-me muito rapidamente e passei pela segurança e mostrei meu cartaz. Tive medo até ao último minuto”, disse Marina Ovsyannikova, em entrevista à CNN.
A jornalista acredita que muitos dos seus colegas de trabalho se apercebem que existe uma “desconexão entre a realidade e o que é apresentado nos canais de televisão do país“. “Tenho sentido cada vez mais uma dissonância cognitiva entre as minhas crenças e o que dizemos no ar”, lamenta Marina Ovsyannikova, acrescentando que até a sua mãe sofreu “lavagem cerebral” com a propaganda estatal. “Era simplesmente impossível ficar em silêncio”, acrescentou, como forma de justificar o seu protesto.
Ovsyannikova, que apesar de receber elogios do lado ocidental, foi também criticada por alguns ucranianos que lembram que a jornalista trabalha há anos num canal de propaganda russa. Agora, diz-se “envergonhada”. “Infelizmente, nos últimos anos, tenho trabalhado no Canal 1 e feito a propaganda do Kremlin, e agora tenho muita vergonha disso”, disse, acrescentando: “É uma pena ter-me permitido dizer mentiras televisão”. Mais: “Estou envergonhada por termos ficado calados em 2014, quando tudo isso estava apenas a começar”, disse, em relação à anexação da Crimeia pela Rússia.
Na entrevista à CNN, a jornalista russa mostra-se preocupada “com os soldados russos”: “Acho que eles não entendem por que é que têm de fazer isso, por que é que estão a lutar”. E defende que “o que está acontecer agora na Ucrânia é um crime e a Rússia é o país agressor”.
A responsabilidade por essa agressão está na consciência de apenas uma pessoa. Esse homem é Vladimir Putin“, disse Ovsyannikova à CNN.
Após a interrupção da transmissão do Canal 1, Marina Ovsyannikova terá sido levada para uma sala do canal de televisão estatal, onde foi depois detida pelas autoridades russas, que a levaram para local incerto. Sabe-se agora que foi interrogada durante mais de 14 horas e obrigada a pagar uma multa de 20 mil rublos (cerca de 238 euros) pela publicação de um vídeo nas redes sociais em que apelava a que os russos saíssem à rua para protestar contra a guerra. Não é ainda claro se vai ou não ser sujeita a outro julgamento por ter mostrado o cartaz.
Esta quinta-feira, Marina Ovsyannikova disse ao canal de televisão francês France 24 que se demitiu, tendo já cumprido todos os “procedimentos legais” para deixar o Canal 1. o presidente francês, Emmanuel Macron, ofereceu-lhe esta semana exílio ou outras formas de ajuda consular, mas a jornalista recusou. “Não quero deixar o meu país. Sou patriota, e o meu filho é mais ainda. Não queremos sair de modo nenhum, não queremos ir a lado nenhum.”