Mais de metade das empresas têxteis estão a efetuar paragens temporárias devido à escalada dos preços da energia, segundo a associação setorial, que alerta para a iminência de insolvências se não forem implementados mecanismos como o lay-off simplificado.

“O setor é muito resiliente, as empresas resistem o mais que podem, mas, a continuar esta situação durante mais semanas, estou, infelizmente, convencido que vamos ter situações de insolvência por as empresas não terem sido ajudadas, nem ter havido mecanismos para permitir que elas pudessem ajustar-se a esta situação”, afirmou o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) em declarações à agência Lusa.

Segundo Mário Jorge Machado, até ao momento, a associação tem apenas conhecimento de um caso de encerramento definitivo, mas “cerca de 50% a 70% das empresas” têxteis estão, atualmente, a efetuar paragens temporárias da atividade, alguns dias por semana, para tentar mitigar os efeitos da escalada dos preços da energia.

“As empresas estão a trabalhar menos dias por mês, na tentativa de esperar que o preço do gás baixe alguma coisa, porque trabalhando aos preços que o gás tem, as empresas têm prejuízo todos os dias. Quanto menos dias de trabalho, menos prejuízos têm”, afirmou.

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De acordo com o dirigente associativo, as modalidades de suspensão da laboração variam “de situação para situação”, mas a generalidade das empresas da área têxtil, que é o subsetor com consumo mais intensivo de energia, tem procurado fazer a gestão possível.

“Normalmente, as empresas estão a reduzir um ou dois dias por semana relativamente à laboração normal. Em vez de trabalharem cinco dias, algumas trabalham quatro, outras trabalham três. Não é obrigatório que seja todas as semanas a mesma situação, vai dependendo dos compromissos que as empresas têm”, explicou.

O foco, salientou, tem sido a resposta às encomendas, sob pena de as empresas “perderem os clientes”, complicando ainda mais a sua situação.

O líder da ATP lembra que a escalada do preço da energia, nomeadamente do gás natural, “com a guerra [na Ucrânia] acentuou-se mais, mas já vinha antes da guerra”: “O aumento do gás natural para mais 500% já acontece desde novembro. Depois da guerra, houve dias em que aumentou para 1.500%, outros dias a 1.000%, outros a 700% ou 800%. Estamos a falar de valores perfeitamente escandalosos”, sustentou.

Questionado pela Lusa sobre qual o modelo que está a ser adotado pelas empresas para gerir, com os trabalhadores, as paragens temporárias — se através do gozo de férias ou do banco de horas, por exemplo — Mário Jorge Machado disse que esta gestão tem sido feita caso a caso.

“Todos os trabalhadores percebem a situação em que a empresa e em que o mercado estão. Isto tem um custo para todos nós e todos temos de fazer um esforço no sentido de sofrermos menos. Mas que vamos todos sofrer, vamos. É claro que isto não é agradável para ninguém”, admitiu.

O dirigente associativo avança que também “há quem já tenha recorrido ao lay-off normal”, mas defende a urgência do regresso da figura do lay-off simplificado, criada para responder à pandemia de Covid-19 e que garante ter sido “extremamente eficaz em salvar empregos”.

“Aquilo que nós temos vindo a defender junto do Governo é que tem de se voltar a reativar o lay-off simplificado, que é aquilo que ainda existe na Alemanha, em Itália e numa série de outros países”, sustentou, lembrando que, no caso alemão, esta modalidade foi prolongada até junho deste ano.

Já em Portugal, Mário Jorge Machado lamenta que, “do ponto de vista político e de alguns partidos”, tenha sido “criada uma aversão ao lay-off, quando toda a gente foi unânime em dizer que salvou dezenas de milhares de postos de trabalho”.

“Sem essa medida, tinha sido um desastre na economia portuguesa e na economia europeia. Os outros países, percebendo isso, mantêm o lay-off simplificado. Nós em Portugal, por razões que eu ainda não percebi bem quais, resolvemos retirar um mecanismo que verificámos que foi extremamente eficaz em salvar empregos”, referiu.

Relativamente aos argumentos do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, para descartar esta hipótese — por considerar que o cenário atual não é semelhante ao da pandemia e preferir “dar apoios para que as empresas continuem a laborar do que dar apoios para que os trabalhadores vão para casa” –, o líder da ATP afirma: “As empresas também preferem muito mais trabalhar e serem ajudadas para pagar a conta da energia. Mas sabe quanto é que já receberam as empresas para pagar a conta da energia? É um número redondinho, são muitos, mas é só zeros”.

O dirigente associativo diz que os apoios a lançar pelo Governo “foram anunciados, vão ser promulgados e hão de acontecer no ‘dia de São Nunca à tarde’, daqui a dois ou três meses”, correndo o risco de chegar tarde demais.

Pelo contrário, “o mecanismo do lay-off simplificado funcionou, já existe toda a legislação e todos os formulários, já está tudo criado e as empresas já podiam estar a usar dessa situação”.

“Felizmente, os políticos alemães e italianos perceberam a importância que teve este tipo de ferramenta para salvar milhares de empregos e ainda o mantêm no ativo. Em Portugal, pelos vistos, somos mais inteligentes do que os outros e resolvemos retirar essa capacidade de salvar empregos às empresas”, lamentou.