A associação Frente Cívica pediu esta quarta-feira ao primeiro-ministro explicações públicas sobre a naturalização de Roman Abramovich, designadamente que torne pública a documentação que ateste a sua descendência de judeus portugueses.
Na carta enviada a António Costa, com conhecimento da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, a Frente Cívica escreve que, caso de trate de um processo irregular, o Governo deve anular a naturalização do multimilionário russo.
Na missiva, assinada pelo presidente da Frente Cívica, Paulo Morais, a associação lembra que Abramovich obteve em 2021 e “de forma suspeita” a nacionalidade portuguesa e que o pedido foi fundamentado na Lei da Nacionalidade, na qualidade de “descendente de judeus sefarditas portugueses”, expulsos de Portugal no reinado de D. Manuel I.
“A pretensão foi deferida pelo Governo, com parecer positivo do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), que assumiu como genuíno um certificado emitido pela Comunidade Judaica do Porto (CJP), assinado pelo Rabino Litvak”, escreve a Frente Cívica, que lembra o “alarme social” que a situação causou, levando o IRN a instaurar um inquérito.
Inquérito do IRN a nacionalidade de Abramovich dá origem a processo disciplinar
Desse inquérito – para aferir a regularidade da atribuição da nacionalidade aos cerca de 57 mil cidadãos que a obtiveram nos últimos seis anos — “até hoje não há quaisquer resultados publicados”, lembra a Frente Cívica, considerando a situação “inaceitável”.
“Mais ainda quando foi noticiado que o dito inquérito terá dado origem a procedimento disciplinar do IRN, indiciando que foram encontradas irregularidades nos processos de naturalização, irregularidades essas que os portugueses continuam sem conhecer”, sublinha.
A associação defende que o Governo deve “garantir claramente que a nacionalidade portuguesa de Abramovich foi obtida de forma regular”, publicando o parecer da Comunidade Israelita do Porto e a restante documentação de provada descendência sefardita.
“Na eventualidade de a condição de português ter sido atribuída indevidamente, o Governo deverá solicitar a nulidade do ato administrativo correspondente; neste caso, com a tomada de medidas conducentes à reposição imediata da legalidade, a Abramovich deve ver retirada, de forma retroativa, a sua condição de português”, acrescenta.
Na semana passada, a ministra da Justiça reafirmou a sua confiança na idoneidade das comunidades israelitas que certificam a nacionalidade de judeus sefarditas, remeteu quaisquer alterações para uma próxima legislatura e disse que o IRN está legalmente impedido de questionar certificados.
Francisca Van Dunem disse não ter “nenhuma razão para questionar a idoneidade das comunidades”, remetendo para a investigação criminal o apurar de “existência ou não de irregularidades de natureza criminal na emissão dos certificados”.
Na carta enviada a António Costa, a Frente Cívica recorda que a urgência dos esclarecimentos sobre o caso, em particular desde o início da guerra na Ucrânia, é óbvia: “Abramovich é próximo de Putin e, na prática, seu mandatário de negócios”.
Roman Abramovich na lista de sanções da União Europeia pelos “estreitos laços” com Vladimir Putin
“Sendo formalmente português, pode movimentar-se livremente em toda a União Europeia e realizar negócios enquanto testa de ferro de Putin. É o seu braço no mundo ocidental, condição que só a nacionalidade portuguesa lhe confere”, insiste.
A associação sublinha ainda que, mesmo sujeito às sanções entretanto impostas pelo Conselho Europeu, Abramovich “mantém em Portugal proteções e privilégios que atenuam a eficácia dessas sanções”, uma circunstância que — considera — “envergonha Portugal na União Europeia”.
Na semana passada, a União Europeia impôs sanções a Abramovich ao atualizar uma lista de indivíduos que enfrentam o congelamento de bens e proibições de viajar devido às suas ligações ao governo de Vladimir Putin.
A divulgação da obtenção da nacionalidade portuguesa por Roman Abramovich, em dezembro de 2021, pelo jornal Público, veio a resultar na abertura de dois inquéritos: um pelo Ministério Público, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), e outro pelo próprio IRN, que, entretanto, já assumiu que o deu origem um processo disciplinar, mas sem revelar o número de funcionários envolvidos.