Gabriel Mithá Ribeiro foi o nome escolhido pelo Chega para a vice-presidência da Mesa da Assembleia da República após o chumbo de Diogo Pacheco Amorim. O deputado do partido, de origem moçambicana e defensor da ideia de que “o racismo deixou de existir”, surgiu em declarações à imprensa para se queixar que tinha sido alvo de uma “questão racial” ao ser rejeitado para o cargo. André Ventura, ao lado do candidato chumbado, estava aparentemente desconfortável e recusou responder se comunga ou não da opinião de Mithá Ribeiro.

Foram cerca de 15 minutos de declarações, de perguntas e respostas sobre o mesmo tema: racismo. Depois de uma declaração em que André Ventura disse tratar-se de um “dia negro para a História da democracia” e acusou PS e PSD de terem criado uma “maioria de bloqueio”, Gabriel Mithá Ribeiro quis falar de “questões raciais” para justificar ter sido chumbado.

“Candidatei-me à vice-presidência e fui rejeitado. Isto tem de ter uma interpretação racial num país que anda há décadas a defender que é antirracista e defensor das maiorias. Fica aqui claro que uma coisa é o discurso e outra é a prática.”

Gabriel Mithá Ribeiro é mestre e doutorado em Estudos Africanos e dedicou grande parte dos estudos à questão do racismo, tendo já dito por diversas vezes que “o racismo deixou de existir”. Vice-presidente e o principal responsável pelo programa do Chega — que diz que “Portugal não é racista” e fez manifestações com este lema —, quis provar que o partido votou num candidato negro, que foi rejeitado pela grande maioria do Parlamento.

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“O que é curioso é que os 12 deputados do Chega votaram num candidato negro para a vice-presidência da AR, o partido que é acusado de ser racista”, enalteceu, numa tentativa de justificação de que o partido liderado por André Ventura não é racista nem xenófobo, já depois de dizer que só há dois deputados negros no Parlamento.

Mithá Ribeiro prosseguia a argumentar que há uma distinção na forma como os negros são tratados, dependendo do posicionamento político que têm: “Se uma pessoa é negra e é de esquerda é tratada com alguma dignidade, se é negra e politicamente neutra tende a ser apagada das instituições, se é negra e de direita é tratada como se trata os pretos. Eu interpreto isto como um símbolo de rejeição.”

Questionado várias vezes sobre se reconhece que há racismo em Portugal, o dirigente do Chega argumentou que “a questão racial não é para discutir a despachar”, que é preciso “reabrir um debate na sociedade” e que “racismo foi ultrapassado”, enquanto sublinha que “quem diz que o racismo existe na hora da verdade faz isto [rejeita um candidato negro]”.

Perante a insistência sobre se foi alvo de racismo nesta votação, defendeu-se sempre a fugir à questão: “Os que defendem que racismo existe e defendem que rejeitam as minorias, acabaram de rejeitar alguém que pertence uma minoria.”

“Não acredito que devia ser eleito por ser negro, acredito que essas pessoas que dizem que são antirracistas, que defendem as quotas, que defendem as minorias só defendem na teoria, porque na prática fazem isto.” Com “isto”, Mithá Ribeiro voltava a referir-se ao facto de ter sido chumbado pelos deputados.

O dirigente do Chega considera que há uma “sociedade bloqueada à esquerda” e que se está a “a impedir a liberdade de um homem negro” ao proporcionar-se uma discriminação: “Ou é de esquerda ou é negro, se é de direita não contas, chega a ser ofensivo para uma pessoa como eu.”

Para Mithá Ribeiro, este chumbo de um candidato negro “é símbolo do fim do racismo”. “Esta data, esta rejeição, não sei que argumentos vão ter para continuar a falar em quotas, em defesa das minorias. A mensagem que estão a passar é ‘eu defendo-te enquanto minoria se fores de esquerda, se fores negro ou de direita não te defendo’”

“Não pode haver pesssoas que acham que têm a razão especial no seu bolso e escolhem que negro é que querem apoiar. Quando um negro é de direita já não pode estar sentado na Assembleia da República, esse é escorraçado e tratado como se trata os pretos.”

“Comunga dessa perspetiva?” A pergunta que deixou Ventura sem resposta

As palavras de Mithá Ribeiro deixavam André Ventura inquieto. Depois de falar, o líder do Chega deu a palavra aos deputados que tinham visto o nome chumbado para a vice-presidência da Assembleia da República e nos minutos que se seguiram ouviu Mithá Ribeiro de forma inquieta.

Quase um quarto de hora passado, as atenções voltaram a dirigir-se para o líder do Chega, que foi questionado sobre se, afinal, se tratou de um “boicote ao partido” [como tinha referido] ou se era um boicote por questões raciais. “Gabriel Mithá Ribeiro também começou por referir que foi um boicote ao partido e acrescentou algo que, na sua perspetiva, sentiu ele pessoalmente”, defendeu-se André Ventura, depois de ter hesitado em voltar ao microfone.

“Comunga dessa perspetiva?” A pergunta ficou sem resposta. André Ventura ficou calado à frente do microfone por alguns segundos e afastou-se, dando lugar a Diogo Pacheco Amorim. O ideólogo do Chega ainda apontou para o líder do partido questionando se queria retomar a palavra. Ventura fez sinal apenas com as mãos de que não pretendia falar mais.