O Estado português emitiu dívida pública a 10 anos esta quarta-feira e a operação saiu com um custo de 1,69%, o que é cinco vezes mais do que a rendibilidade que os investidores exigiam há apenas cinco meses para emprestar a Portugal no mesmo prazo. A subida dos custos de financiamento está a ser rápida, mas “ainda estamos longe dos níveis críticos de taxas“, diz um analista.
Se em novembro de 2021 o Estado emitia dívida a 10 anos a juros pouco superiores a 0,3%, esta quarta-feira a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) teve de aceitar dar aos investidores uma rendibilidade 1,69% para colocar 3.000 milhões de euros em obrigações do Tesouro. Além disso, essa emissão em novembro tinha sido um leilão, tendencialmente mais difícil de realizar do que as emissões sindicadas como a desta quarta-feira (já que nas emissões sindicadas há um conjunto de bancos que é contratado para promover a emissão junto do mercado).
Mais de 15,5 mil milhões em procura, para 3 mil milhões colocados
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A emissão sindicada desta quarta-feira atraiu um total de 15,5 mil milhões de euros em procura, por parte dos investidores, para um total colocado de três mil milhões. Trata-se da inauguração que uma nova linha de obrigações com vencimento em 16 de julho de 2032, que vai passar a ser a linha de referência para o prazo a 10 anos.
“Apesar da elevada volatilidade do mercado, a transação beneficiou de uma forte procura”, afirma o IGCP em comunicado oficial divulgado ao final desta tarde. O comunicado também indica que os títulos foram colocados junto de um “amplo conjunto de investidores de qualidade” sobretudo oriundos de França, Itália e Espanha mas, também, Alemanha, Áustria e Suíça.
Com esta emissão, “a República Portuguesa já executou aproximadamente 8,5 mil milhões de euros em financiamento de longo prazo, o que corresponde a 48% do programa de financiamento de 2022”.
A diferença entre os dois momentos é que, em novembro, ainda ecoavam nos mercados de dívida europeia as palavras que a presidente do Banco Central Europeu (BCE) tinha proferido, poucos dias antes, em Lisboa. Numa conferência no Museu do Dinheiro, em Lisboa, Christine Lagarde descreveu as pressões inflacionistas como um fenómeno meramente transitório e afirmou que, por essa razão, era “muito improvável” que as taxas de juro na zona euro viessem a ser aumentadas em 2022.
Ora, cinco meses depois, o cenário é totalmente oposto: por duas vezes consecutivas (no início de fevereiro e em meados de março), a reunião dos governadores do BCE resultou em decisões que surpreenderam os analistas pela aceleração do fim dos estímulos monetários, apesar do impacto económico da guerra na Ucrânia. E quase diariamente surgem responsáveis do BCE – incluindo os da Alemanha e dos Países Baixos, mas não só – que defendem que as taxas de juro devem subir ainda em 2022 e, possivelmente, mais do que uma vez antes do fim do ano.
Até Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, alertava em outubro que a política monetária não devia precipitar-se na subida dos juros – porque “a inflação já nos enganou no passado” – mas, mais recentemente, já tem defendido que é importante que o BCE inicie, de forma “gradual”, uma trajetória de normalização da política monetária (ou seja, a subida das taxas de juro em relação aos mínimos históricos dos últimos anos).
Esta alteração das expectativas nos mercados de dívida está a fazer subir as taxas de juro da dívida dos países da zona euro, o que também está associado ao facto de o BCE ter acelerado o fim dos programas de compra de dívida pública nos mercados – programa que tem sido decisivo para baixar os custos de financiamento de países como Portugal nos últimos anos.
Aliás, tanto tem sido decisivo que a presidente do IGCP, Cristina Casalinho, admitiu em entrevista ao Observador que “assusta um bocadinho” a perspetiva de o BCE deixar de ter o mesmo nível de intervenção no mercado de dívida pública. Em rigor, o BCE vai deixar de fazer novas compras líquidas, embora vá continuar a reinvestir os montantes que for recebendo por via de serem atingidas maturidades nos títulos que estão no balanço do BCE.
“Os bancos centrais, com o BCE incluído, têm vindo a anunciar o fim dos programas quantitativos, seguidos de subidas de taxas de juro, para fazer face à elevada inflação que se tem mostrado mais persistente do que inicialmente se esperava”, afirma Filipe Silva, diretor de investimentos do Banco Carregosa, em nota enviada à imprensa. “Por outro lado, temos a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, que trouxe um risco adicional para a Europa e ainda agravou mais a questão inflacionista”, acrescenta o especialista.
Ainda assim, para Filipe Silva, “apesar do aumento dos prémios de risco que estamos a verificar globalmente e que podem vir a prejudicar os países mais endividados, ainda estamos longe dos níveis críticos de taxas”.