Vestidos vermelhos pendurados em cruzes de madeira em memória às crianças indígenas norte-americanas mortas, aborígenes australianos a fazer queimadas controladas, a floresta da Amazónia cada vez mais asfixiada e os guardiões das sementes da Colômbia. Foram estas as histórias retratadas pelas fotografias vencedoras da 65.ª edição do concurso da World Press Photo, que todos os anos premeia os melhores trabalhos de fotojornalismo e de fotografia documental.
Na categoria Singles, onde é apresentada uma única foto por cada história contada, ganhou o trabalho “Escola Residencial de Kamloops”, de Amber Bracken. Neste trabalho foram homenageadas as crianças nativo americanas que morreram na Escola Residencial Indiana Kamloops, uma instituição criada para obrigar à assimilação cultural. Foram encontradas na Colúmbia Britânica (Canadá) 215 sepulturas sem identificação a 19 de junho de 2021.
A história colonial não é uma coisa do passado”, reitera a fotógrafa natural de Alberta. “É uma história viva com a qual os seus sobreviventes ainda estão a lidar. Se queremos falar de coisas como reconciliação ou cicatrização, temos de honrar verdadeiramente o coração do que ainda lá existe”.
Desenterrados corpos de 215 crianças nos arredores de uma antiga escola residencial
Entre os tons acinzentados de um céu carregado de nuvens, há um arco-íris na imagem que é capaz de “perdurar na memória” e de “inspirar uma reação sensorial”, como considera a presidente do júri, Rena Effendi, no comunicado enviado às redações dos órgãos de comunicação social. “Quase podia ouvir a tranquilidade” e, por instantes, refletir sobre a História da colonização, não só no Canadá, mas no mundo inteiro, sublinha ainda.
À carreira da fotógrafa canadiana e à história do concurso somou-se esta quinta-feira um novo marco:
Pela primeira vez na história de 67 anos da World Press Photo, a Foto do Ano é uma fotografia onde não aparecem pessoas”, destaca a organização.
Ao representar a prática ancestral “cool burning“ (queima fria, em tradução livre) em “Salvar florestas com fogo”, Matthew Abbott venceu na categoria Stories. Há dezenas de milhares de anos que o povo Nawarddeken da região de West Arnhem (Austrália) usa as chamas de forma estratégica para eliminar a vegetação rasteira — que, caso contrário, alimenta os incêndios que ciclicamente custam vidas humanas e animais — e gerir o território que lhe pertence de 13.900 quilómetros quadrados. Combinando sabedoria tradicional com tecnologias contemporâneas, os guardas da Warddeken pretendem prevenir incêndios florestais e, assim, reduzir os níveis de dióxido de carbono emitidos — que contribuem para o aquecimento global.
O olhar de Lalo de Almeida sobre a desflorestação, a mineração, o desenvolvimento de infraestruturas e a exploração de recursos naturais – tudo isto acelerado pelas políticas ambientais (regressivas) do Presidente Jair Bolsonaro – na floresta amazónica arrecadou o prémio na categoria Long-Term Projetcs. Intitulado “Distopia amazónica”, o trabalho coloca a nu os impactos devastadores da exploração económica dos territórios que são casa de mais de 350 diferentes comunidades indígenas. São elas quem lidam e sofrem com a degradação das terras, fenómeno que prejudica significativamente o seu estilo de vida.
Milhares de indígenas acampam em Brasília em defesa das suas terras
A fotógrafa Isadora Romero, do Equador, com o abstracionismo e o analogismo de “O sangue é uma semente” ganhou a medalha de ouro na categoria Open Format. O projeto vídeo composto por fotografia digital e película e ainda por imagens captadas pela autora e pelo pai questiona o desaparecimento das sementes, a migração forçada, a colonização e a consequente perda de conhecimento ancestral. Numa viagem à sua aldeia ancestral de Une, Cundinamarca (Colômbia), Romero explorou — e aprendeu — a herança agrícola do seu avô e da sua bisavó, os “guardiões de sementes” que cultivavam diferentes espécies de batatas, das quais só duas existem atualmente.
Cada um dos vencedores globais vai receber um prémio de cinco mil euros. Além disso, juntamente com os vencedores da fase regional, vão ter a oportunidade de exibir o seu projeto na exposição anual da organização, que começa em De Nieuwe Kerk, Amesterdão (Países Baixos) a 15 de abril e, a partir daí, percorrerá vários pontos do globo — a possível data portuguesa ainda não consta do calendário da organização.
World Press Photo: os vencedores regionais do novo modelo do concurso
“Juntos os vencedores globais prestam homenagem ao passado, enquanto habitam o presente e olham em direção ao futuro”, descreveu Rena Effendi, na mesma nota. Da Austrália à Europa, foram escolhidos entre 64.823 fotografias e inscrições em formato livre enviadas para o concurso, a que se candidataram 4066 fotógrafos de 130 países.