Foram meses à espera de uma decisão. Mas a decisão foi tomada e Rui Pinto já começou a analisar os emails que foram encontrados num dos discos externos apreendidos ao alegado hacker na Hungria, apurou o Observador junto de fontes ligadas ao caso. A consulta dos emails roubados, segundo a tese do Ministério Público, está a decorrer nas instalações da Polícia Judiciária (PJ), com supervisão desta força policial. Mas, por ser uma testemunha protegida, os dias e horas a que o alegado hacker lá vai são secretos.
O pedido para que essa informação fosse tratada como “confidencial” e não fosse colocada, por isso, no processo foi feito pela defesa de Rui Pinto. Num requerimento apresentado aos juízes, os advogados lembraram que “o arguido encontra-se inserido num programa de proteção testemunhas”, por “razões que se prendem com a sua segurança pessoal”.
É manifestamente inconveniente a divulgação, nos autos (com possibilidade de serem consultados, além dos intervenientes processuais, pela comunicação social), dos horários em que o arguido estará nas instalações da PJ“, lê-se no requerimento que consta no processo consultado pelo Observador.
Os juízes que estão a julgar o caso Football Leaks concordaram com os advogados de Rui Pinto. Por isso, alertaram também a PJ para que correspondência enviada ao tribunal “relativamente à consulta” dos emails “seja tratada por confidencial“, lê-se num despacho do tribunal em resposta ao requerimento da defesa do alegado hacker.
Julgamento pode arrastar-se até final de maio. Rui Pinto ainda não terminou de consultar emails roubados
O julgamento do caso Football Leaks, que começou em setembro de 2020, tem assim data prevista para retomar esta sexta-feira, dia 8 de abril, com a audição, por vídeochamada, de duas testemunhas de Rui Pinto: Arif Efendi, um dos descendentes da família cazaco-turca que alegadamente controlava a Doyen, e Salih Berberoglu, também ligado a este fundo de investimento. No entanto, os contactos que o tribunal fez para notificar estas duas testemunhas não foram ainda retribuídos, pelo que se corre o risco de nenhuma das testemunhas comparecer na videochamada da sessão desta sexta-feira, apurou o Observador junto de fonte judicial.
Já para a sessão de 22 de abril está marcada uma acareação dos inspetores da PJ Aida Freitas e Hugo Monteiro — um procedimento que visa pôr em confronto testemunhas cujos depoimentos foram contraditórios. Marcada está apenas mais uma sessão, a 28 de abril, mas o tribunal pediu aos advogados ligados a este caso que deixem livres todas as sextas-feiras de maio, devido à possibilidade de marcar mais sessões nesses dias — o que leva a crer que o julgamento do caso Football Leaks se vai arrastar por mais uns meses, especialmente porque Rui Pinto ainda não terminou de consultar o apenso F.
Caixas de emails integrais, Isabel dos Santos e futebol. O que tem o apenso F?
O apenso F é uma parte do processo do caso Football Leaks que tem sobretudo caixas de email integrais alegadamente acedidas e roubadas por Rui Pinto. Pertencem a responsáveis de clubes de futebol, a alguns dos mais importantes escritórios de advogados portugueses, a magistrados do Ministério Público, a pessoas do universo Isabel dos Santos, entre outros. Este apenso foi criado pela PJ a partir dos ficheiros encontrados num dos discos externos apreendido a Rui Pinto na Hungria.
Esta questão arrastou-se durante vários meses e foi o motivo pelo qual o julgamento do alegado pirata informático esteve parado durante mais de nove meses. Tudo começou quando a defesa do alegado hacker pediu uma cópia deste apenso F para analisar os ficheiros informáticos “exclusivamente do ponto de vista técnico”, recorrendo “a ferramentas forenses que lhe permitam ter um conhecimento diferenciado da prova”, segundo pediram no requerimento apresentado.
O tribunal até concordou com este pedido, mas o Ministério Público, os assistentes no processo e o advogado Aníbal Pinto, que é também arguido no caso, não. Defenderam que permitir o acesso às caixas de email seria uma dupla penalização das vítimas. Por isso, manifestaram vontade de recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa — o que levou os juízes a pensarem numa solução que evitasse esse cenário.
E qual foi a solução arranjada pelo tribunal? Rui Pinto podia consultar os emails nas instalações da PJ em vez de lhe ser dada uma cópia, tal como era o seu desejo. Desta vez, todos concordaram, exceto o advogado Rui Costa Pereira, uma das alegadas vítimas que terá tido os seus emails hackeados. Por isso, sem acordo, a decisão ficou nas mãos dos juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa.
Este tribunal superior veio então decidir em dezembro do ano passado que “em caso algum” seriam “entregues as duas pen drives que constituem o apenso F ao arguido“, escreveram os juízes desembargadores na altura. No entanto, a Relação aceitou que Rui Pinto tivesse acesso ao apenso F, mas nas instalações da PJ, sob a supervisão da mesma — processo que está agora em andamento.
Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim, 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda sabotagem informática à SAD do Sporting e tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão, porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.
O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juíza Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade, tendo começado a ser julgado em setembro de 2020.