Comparar, testar e desmontar o veículo que é considerado a referência para o desenvolvimento de um determinado modelo é prática habitual na indústria automóvel, havendo casos mais mediáticos do que outros, pelas marcas e pelos modelos envolvidos. O exemplo mais recente envolve dois construtores de veículos eléctricos norte-americanos, a Tesla e a Lucid.
Recorda-se de quando a Honda estava a desenvolver o NSX, por exemplo, o construtor nipónico adquiriu um 911 GT3 para avaliar o sistema de direcção. Mas como esse Porsche teve de ser assistido e o concessionário da marca “topou” que o verdadeiro cliente era a equipa de desenvolvimento da Honda, deixou uma mensagem ao adversário escondida no compartimento do motor… E lembra-se de a própria Porsche, no desenvolvimento do Taycan, ter sido flagrada a rodar não com um, mas dois Tesla? Mais, quem se esquece da bronca que envolveu a Mercedes, quando a marca de Estugarda decidiu não comprar, mas sim alugar um Tesla Model X, para o desmontar peça por peça? Na altura, o fabricante alemão estava a preparar o lançamento do seu primeiro SUV a bateria, o EQC, e o “estudo aprofundado” da concorrência deu que falar, pois os proprietários do veículo queixaram-se que o Tesla foi devolvido em muito mau estado, pelo que exigiram ser ressarcidos pela violação do contrato de aluguer feito através da rent-a-car Sixt.
O episódio que envolveu a marca da estrela foi um caso à parte, na medida em que o que é vulgar é o fabricante adquirir o veículo que pretende testar através de alguém que não possa ser associado à marca. Normal, também até aqui, era que fosse a Tesla o alvo do interesse dos construtores que estão a lançar modelos a bateria. Mas a entrada em cena da Lucid Motors, com o seu Air, terá quebrado a normalidade para os lados de Fremont.
Imagens recolhidas por um drone a sobrevoar as instalações da Tesla na Califórnia, Estados Unidos da América, apanharam um Air a rodar na pista de testes da marca liderada por Elon Musk (minuto 2,19). Ora, o que se sabe é que o CEO da Tesla disse, não há muito tempo, que se achasse que era necessário, já poderia ter um Model S com uma autonomia superior a 1000 quilómetros. Sabe-se igualmente que a primeira berlina eléctrica da Lucid é a nova campeã, em matéria de alcance entre recargas, com o Air Dream Edition Range a homologar 837 km segundo o sistema americano EPA (método mais próximo da realidade do que o europeu WLTP). Isto num modelo com 4,975 m de comprimento e uma distância entre eixos de 2,960 m, com dois motores eléctricos a debitar 946 cv, impulsionando o Air até aos 270 km/h de velocidade máxima, depois de passar pelos 0-96 km/h em apenas 2,5 segundos.
Porsche-Tesla-Lucid. Qual a berlina eléctrica mais rápida do mundo?
O homem à frente da Lucid Motors é o ex-Tesla Peter Rawlinson, que ingressou na Lucid em 2013 como CTO e, em 2019, ascendeu a CEO. Escreve a Business Insider, com base em fontes não reveladas, que a principal motivação do engenheiro de 64 anos é bater a Tesla e, no processo, superar Elon Musk. Recorde-se que Rawlinson esteve envolvido no desenvolvimento do Model S, mas saiu da companhia passados três anos por, alegadamente, se sentir limitado no seu trabalho. E depois de o Air ter sido apresentado, quando o nome de Peter Rawlinson começou a ser mais “badalado”, Musk sentiu necessidade de tweetar que o britânico não foi o responsável de engenharia por trás do Model S. Sucede que as provas indicam o contrário, pois não só há vídeos de Rawlinson a explicar a engenharia do Model S, como o cargo deste fica bem patente quer no blog da marca quer nos arquivos referentes à equipa…
Na altura, um porta-voz da Lucid recusou-se a alimentar o debate acerca do passado de Rawlinson, preferindo concentrar-se no futuro: “O foco de Peter é colocar em produção o melhor EV do mundo, um carro com mais de 500 milhas (cerca de 804 km) de autonomia que estabelece novos padrões de eficiência, potência, alcance, desempenho, velocidade de carga e luxo.”
A produção do Air já arrancou e, tal como aconteceu com a Tesla, está a acusar a juventude do projecto. Nada disso retira o mérito à Lucid, que já é por muitos apontada como a marca que está na vanguarda dos BEV, estatuto que era, até aqui, atribuído à Tesla. Mas depois deste Lucid Air ter sido visto a rodar na pista de Fremont, por muito que Musk possa continuar a dizer que não é preciso um Model S com mais autonomia, será mais difícil acreditar que o CEO da Tesla… acredita mesmo nisso. À primeira vista (mesmo aérea), o mais provável é que o Air captado pelo drone passe por uma completa dissecação no laboratório da Tesla. Certo mesmo é que, como sempre, a concorrência dinamiza a evolução. A Tesla pode até nem reconhecer a Lucid como um rival à altura, mas lá que parece estar curiosa, parece…