A primeira dose foi mais do que boa, a segunda esperava-se que fosse ainda melhor. A rivalidade crescente de Manchester City e Liverpool é relativamente recente mas assumiu-se de forma natural como o grande duelo do futebol europeu nos últimos anos. Neste caso, um duelo com possibilidade de se repetir em competições diferentes. E antes das meias-finais da Liga dos Campeões que poderão trazer mais uma final 100% inglesa na principal prova europeia de clubes, caso consigam eliminar Real Madrid e Villarreal, os dois primeiros classificados da Premier League com um ponto de diferença cruzavam agora nas meias-finais da Taça de Inglaterra em Wembley num duelo ainda mais esperado por ser um encontro a eliminar, depois da igualdade a dois no Etihad Stadium que deixou tudo na mesma na luta pelo título inglês no último domingo.

Era mais um jogo para Guardiola, era mais uma final para Klopp. No fim, deu empate técnico — mas com mais sorrisos para um lado

“Nem eu nem o Klopp vamos jogar, portante não podemos surpreender ninguém. A surpresa nunca tem a ver com os treinadores mas sim com os jogadores. As decisões dos técnicos são muito valorizadas mas as ações pertencem aos jogadores. Em seis anos juntos fomos cinco vezes às meias-finais da Taça de Inglaterra, o que é fantástico. A última época foi muito parecia com esta. Gostava de ter atingido mais finais e vitórias na prova [uma] mas não me arrependo. Estamos a um mês do final da época, chegámos a duas meias-finais, lideramos a Premier League. É razão de satisfação mas não chega. Novo confronto com o Liverpool? Já me tinha acontecido com o Barcelona, jogámos quatro vezes em dez dias. Aprendemos sempre alguma coisa quando jogamos contra eles, assim aprendemos mais ainda”, destacara Pep Guardiola na antevisão do jogo.

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“Ganhar seria fantástico, brutal, mas não conquistamos nada com isso e três dias depois jogamos contra o Manchester United [para a Premier League]. Não estamos com falta de confiança, não precisamos de mais razões para ganhar mas sim, vencer o Manchester City seria fabuloso porque não acontece muitas vezes com qualquer equipa do mundo. Eles são mesmo bons. Mas se ganharmos significa apenas que estamos na final, nem o Crystal Palace nem o Chelsea serão turistas nesse jogo decisivo. Tentámos apenas preparar o jogo da melhor forma, sendo que adorava ter uma semana inteira de preparação mas está tudo bem, lidamos com isso”, tinha referido Jürgen Klopp, relativizando o impacto de uma vitória frente ao seu “novo rival”.

O cumprimento caloroso entre os dois técnicos no final do último duelo entre ambos mostrou muito do que é a relação entre ambos. Como ambos assumem, não são amigos fora de campo mas têm um profundo respeito mútuo dentro do mesmo. Esse sentimento faz com que tentem ser superiores na preparação das partidas, com a introdução de nuances diferenciadoras que permitam fintar o conhecimento profundo entre ambos. Na Premier League, as tentativas saíram furadas; agora, o jogo foi muito diferente. E entre o mérito do Liverpool e o grande demérito do Manchester City, o encontro acabou por ser decidido em grande parte na metade inicial perante erros pouco habituais do campeão inglês como o que deu o 2-0 a Sadio Mané. Pep Guardiola brincou com o fogo na equipa inicial escolhida, mexendo em demasia na equipa e nas suas rotinas do meio-campo para trás contra um Liverpool a todo o gás, e acabou mesmo por queimar-se.

O encontro começou equilibrado, sem grandes novidades nas equipas iniciais apesar das muitas alterações promovidas pelos dois técnicos em comparação com as partidas da segunda mão dos quartos da Champions. E até mesmo a ideia de jogo tinha vários pontos semelhantes ao que se passara na semana passada: o City, com Zack Steffen na baliza, Zinchenko na esquerda da defesa e os médios Rodri, De Bruyne e Gündogan no banco ainda no rescaldo da “batalha” do Wanda Metropolitano (tal como Mahrez), a construir com maiores tempos de posse, a avançar mais pela certa em ataque organizado e a acelerar apenas na recuperação em terrenos mais avançados; o Liverpool, a trazer todos os habituais titulares que descansaram com o Benfica mantendo Luis Díaz na frente com Salah e Sadio Mané, a apostar nas zonas de pressão mais altas e nas saídas mais verticais que criassem desequilíbrios. E foi assim que chegou cedo à vantagem.

Naquele que foi o primeiro remate à baliza, já depois de uma tentativa de Jack Grealish na área prensada num adversário, os reds inauguraram o marcador no seguimento de um canto e de novo por Konaté (que marcou ao Benfica na Luz e em Anfield), desviando de cabeça o cruzamento com arco aberto da esquerda de Andy Robertson (9′). E o segundo não demorou, neste caso após um erro colossal de Zack Steffen que, ao receber de John Stones, não aliviou de imediato e permitiu que Mané desviasse de carrinho para a baliza (17′). Até potes de fumos foram lançados do topo onde se concentravam os adeptos do Liverpool, em delírio com o 2-0 numa fase tão madrugadora do encontro. Mas os motivos para festejar não ficariam por aí.

Já na parte final de um primeiro tempo que acabou com o Liverpool a ter mais posse (54%-46%) e mais passes tentados e completos (273-234) perante um Manchester City que nunca criou perigo e sentia muitas dificuldades nas transições defensivas, Sadio Mané ainda iria a tempo de bisar na conclusão de um grande trabalho coletivo dos reds, que começou em Luis Díaz, passou por Salah e Thiago Alcântara com mais uma assistência do outro mundo e acabou com um tiro de primeira do senegalês (45′). A eficácia do conjunto de Klopp era quase de 100% mas o domínio do jogo foi completo, vulgarizando o campeão inglês.

A eliminatória não tinha ainda chegado ao fim e um golo de Jack Grealish logo a abrir o segundo tempo, após uma recuperação de Fernandinho e uma boa jogada de Gabriel Jesus pela direita (47′), deixou o mote para os adeptos dos citizens poderem ainda sonhar com uma recuperação que levasse a decisão para tempo extra ou grandes penalidades. E a eficácia ou a falta dela foram o grande obstáculo nesse sentido, com o mesmo Gabriel Jesus a ver Alisson desviar para canto um remate em boa posição na área antes de outra tentativa que saiu perto do poste. No entanto, o mal já estava feito e o Liverpool conseguiu depois aguentar da melhor forma a vantagem, tendo também oportunidades para levar os números para uma goleada quase sempre com muita culpa à mistura da defesa do Manchester City, como se viu num lance de Salah após mau atraso de Zinchenko de cabeça para Zack Steffen que levou a bola a bater nas malhas laterais da baliza, antes de Bernardo Silva fazer o 3-2 já no final do encontro após defesa incompleta a remate de Mahrez (90+1′).