Em prédios onde as frações se destinam a habitação não pode haver alojamento local, ou seja, atividade de arrendamento de curta duração com fins turísticos. Depois de vários anos de interpretações opostas jurídicas opostas, as dúvidas foram desfeitas pelo Supremo Tribunal de Justiça num acórdão que é citado esta quinta-feira pelo jornal Público, e que cria jurisprudência que poderá resultar numa “avalancha de processos”, segundo um juiz conselheiro.
“No regime de propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local“, pode ler-se no acórdão unificador de 22 de março que se aplica a todo o alojamento local, mesmo ao que já teve autorização no passado e que está a funcionar em prédios onde existem famílias a viver e, ao mesmo tempo, arrendamento de curta duração.
Esta decisão do Supremo deixa para trás dois acórdãos, com conclusões divergentes, do Tribunal da Relação do Porto e de Lisboa. Se o primeiro foi sensível à situação de quem vive num prédio mas diariamente partilha as áreas comuns com estranhos e, por vezes, sofre com ruído fora de horas, a Relação de Lisboa deu razão a quem é proprietário de casas e quer dar-lhes outro uso que não apenas a habitação permanente ou o arrendamento de longa duração.
Um juiz conselheiro que fez uma declaração de voto citada pelo Público, Rijo Ferreira, argumentou que a decisão poderá não ter “ponderado” devidamente as “consequências da jurisprudência firmada”, podendo daqui resultar “uma avalancha de processos” e uma “disrupção significativa nesse não despiciendo setor da atividade económica”.
Em comentário partilhado com o Observador, Clélia Brás, sócia e responsável de imobiliário da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, salienta que “ao longo dos anos, o legislador tem criado diversos mecanismos por forma a ir ao encontro do equilíbrio entre o direito dos condóminos de não perturbação e o direito do proprietário à exploração de Alojamento Local”.
Com o presente acórdão vemo-nos agora confrontados com questões como: E se os proprietários a certa altura quiserem deixar de fazer alojamento local e quiserem habitar a fração definitivamente? O título constitutivo tem de ser alterado novamente? Novo licenciamento? Penso que se irão levantar muitas questões que na prática não se conseguirão implementar, por um lado, pelos custos associados, e por outro, por ficarem sem uma resposta concreta por parte dos Tribunais, que parecem estar a focar-se somente no conceito da afetação de habitação “doméstica” esquecendo todo o impacto que dessas decisões advém”
Assim, diz a especialista, “importa agora concluir, se os prejuízos que daqui irão resultar, se serão ou não muito superiores aos benefícios que esta decisão uniformizadora de jurisprudência pode trazer, estudando o impacto no setor Imobiliário, no Turismo e na Economia do País”.