Novamente ouvido, agora na condição de arguido no caso do atropelamento mortal na A6, em junho do ano passado, Eduardo Cabrita mantém a mesma versão dos acontecimentos: o ex-ministro alega que não deu qualquer ordem ao seu motorista quanto à velocidade a que devia seguir, quando se dirigia para Lisboa depois de uma visita oficial a Portalegre. No interrogatório desta sexta-feira, no âmbito do processo que investiga a morte de um trabalhador na A6, em junho do ano passado, o antigo ministro da Administração Interna e agora arguido aceitou prestar declarações e reiterou aquilo que já antes tinha dito ao Ministério Público. Além disso, prestou esclarecimentos pedidos pelo Ministério Público, confirmou ao Observador o seu advogado Magalhães e Silva, sem adiantar quais.
[Eduardo Cabrita] confirmou as declarações que prestou por escrito ao Ministério Público e prestou os esclarecimentos que o Ministério Público pediu”, adiantou ao Observador o advogado Magalhães e Silva.
Quando foi chamado a depor numa fase mais inicial do inquérito, Cabrita tinha afastado a hipótese de ter dado qualquer indicação quanto à velocidade a que o seu motorista devia seguir ou à urgência em chegar ao destino. Até porque na sua agenda de trabalho não tinha “compromissos externos agendados, apenas reuniões internas com entidades do MAI” a partir das 14h30, segundo se lia na acusação lida pelo Observador na altura. Certo é que, ainda segundo a acusação, o motorista seguia a 163km/h.
Eduardo Cabrita não chegou a ser acusado neste inquérito, tendo o Ministério Público arquivado o caso contra o ex-ministro: apenas o motorista do carro onde seguia o antigo governante, Marco Pontes, foi acusado por homicídio simples. Mas a Associação de Cidadãos Automobilizados, assistente no processo, fez um pedido para que o processo fosse reaberto, por considerar haver responsabilidade dos superiores hierárquicos do motorista — nomeadamente, do próprio ex-ministro. E assim foi: o diretor do DIAP de Évora, José Franco, mandou reabrir o caso, em finais de janeiro deste ano, e deu ordem para constituir arguidos o chefe de segurança, que é da PSP, e o próprio Eduardo Cabrita.
Assim, o antigo ministro da Administração Interna, que se demitiu depois de ser conhecida a acusação, é o terceiro arguido no caso, depois de o seu chefe de segurança ter sido constituído arguido já depois de reaberto o inquérito. Os dois juntaram-se assim ao motorista já acusado. Mas mesmo depois de apresentar a demissão e de deixar o Governo, Cabrita gozava de imunidade parlamentar enquanto deputado e, dada a proximidade das eleições, o Ministério Público aceitou esperar pela mudança de Governo. No entanto, com a repetição das eleições e o atraso na tomada de posse do novo Governo, a imunidade parlamentar de Cabrita acabaria por só ser levantada em finais de março.
Carro de Cabrita seguia a 163km/h. Motorista acusado de homicídio por negligência
O que se segue agora? Procuradora mantém arquivamento ou terá de reformular a acusação, para incluir suspeitas contra Cabrita
Apesar de já haver uma acusação prévia contra o motorista de Eduardo Cabrita, e de só posteriormente terem sido deduzidas duas novas acusações, todos os arguidos são visados num único inquérito. Agora, a Procuradora da República pode manter o despacho de arquivamento relativamente a Eduardo Cabrita — e, nesse cenário, a Associação de Cidadãos Automobilizados poderá requerer a abertura de instrução, numa segunda tentativa de que o antigo ministro seja acusado e tenha de ira julgamento pela morte de Nuno Santos. Outra hipótese é a Procuradora da República entender que há indícios suficientemente fortes para acusar o antigo governante.
Se o Dr. Eduardo Cabrita for acusado e entender pedir abertura de instrução, também requer”, explica o advogado Magalhães e Silva ao Observador.
Neste caso, o Ministério Público terá de reformular a acusação já existente, incluindo nesse inquérito as constituições de arguido de Eduardo Cabrita e do seu chefe de segurança, juntando-se todos os elementos para se avançar para um julgamento ou, caso alguém peça a sua abertura, a instrução — uma fase que serve para um juiz de instrução decidir se há fundamentos suficientes para o caso seguir para julgamento.
O acidente que vitimou Nuno Santos aconteceu cerca das 13h15 de 18 de junho, ao quilómetro 77,6 da A6, perto da Azaruja, em Évora, no sentido Estremoz-Lisboa. O homem de 43 anos terá deixado temporariamente o grupo de trabalho que estava na berma e atravessou a faixa de rodagem até ao separador central. Desconhecem-se os motivos para Nuno Santos estar no separador central, mas foi de lá que saiu antes de ser colhido pelo carro onde seguia o então ministro da Administração Interna.
Quando o acidente aconteceu, Eduardo Cabrita regressava do Centro de Formação de Portalegre da GNR, onde tinha estado presente para presidir ao Juramento de Bandeira dos formandos do 43.º Curso de Formação de Guardas. O BMW utilizado pelo ministro — um carro apreendido pela Justiça — circulava na A6 em direção a Lisboa, quando o acidente aconteceu. Marco Pontes era o motorista do ex-ministro. No mesmo carro vinham dois outros ocupantes. Atrás, mas na faixa da direita, seguia um segundo carro, cujo passageiro da frente era o chefe de Segurança de Alta Entidade, Nuno Miguel Mendes Dias, da PSP. Havia ainda um terceiro carro na comitiva, que seguia atrás do de Cabrita.
Não se sabe exatamente quando é que a Procuradora da República vai anunciar a decisão que vier a tomar — a de manter o arquivamento contra Cabrita ou a de acusar o ex-ministro. No entanto, o advogado Magalhães e Silva acredita que não demorará mais do que um mês.