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Coreógrafo Bruno Beltrão regressa a Portugal com dança de rua e um Brasil “pegando fogo” em cima do palco

Este artigo tem mais de 2 anos

“Nova Criação” é o nome do novo espetáculo do Grupo de Rua, coletivo de criado pelo coreógrafo brasileiro Bruno Beltrão. Estreia este sábado no Porto e passará em junho pela Culturgest, em Lisboa.

"Nova Criação" tem estreia nacional marcada para este sábado e domingo no Festival Dias da Dança, no Porto
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"Nova Criação" tem estreia nacional marcada para este sábado e domingo no Festival Dias da Dança, no Porto

Kerstin Behrendt

"Nova Criação" tem estreia nacional marcada para este sábado e domingo no Festival Dias da Dança, no Porto

Kerstin Behrendt

Com oito anos queria ser diretor de cinema, era fascinado por universos tridimensionais produzidos através do computador e até fazia filmes amadores em casa com os amigos, mas aos 13 Bruno Beltrão começou a ter contacto com a dança. “Vi um ou dois espetáculos no Rio de Janeiro, mas ainda sem ter qualquer noção que um dia me envolveria nessa área. Só quando comecei a ir a uma boîte em Niterói aos sábados é que percebi o que era realmente esta coisa de dançar”, começa por dizer ao Observador o coreógrafo brasileiro, entre os ensaios do seu novo espetáculo com estreia marcada este sábado, no Porto.

“Comecei a ir a convite de alguns amigos mais velhos em plena adolescência, apenas para me divertir e conhecer gente nova. Confesso que a dança era um negócio esquisito, via-os a dançar e não sabia se gostava ou não daquilo, era um sentimento estranho. Aos poucos, não sei bem porquê nem como, fui-me entrosando e acostumando.”

Nas matinés na sua terra natal, Beltrão ouvia hits dos anos 1990, como Michael Jackson, que embalavam passos de dance music, surgia assim a sua relação inesperada e improvável com a dança urbana e com ela também a sua vontade de criar. “A brincadeira começou a virar uma coisa séria, durante a semana já ensaiávamos e montávamos coreografias, copiávamos e inventávamos passos novos para mostrar aos outros. A coisa foi crescendo”, recorda.

Um ano depois começou a ter aulas de hip-hop, “não o hip-hop underground, de dança no chão”, mas algo com influência no jazz, já numa mistura de estilos, identidades e possibilidades. “Depois dessa formação percebemos que não havia mais professores a ensinar e em vez de procurar aprender mais, decidimos, até de forma insana, começar a ensinar o que não sabíamos. Com 13 comecei a dançar e com 16 já estava a dar aulas. Estranho, não é?

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Aos 42 anos, Bruno Beltrão é um dos coreógrafos brasileiros mais relevantes e irreverentes do panorama artístico mundial

Em 1996 cria, com Rodrigo Bernardi, a companhia Grupo de Rua de Niterói e nos primeiros anos dedica-se à dança competitiva, participando em festivais brasileiros e internacionais, dando nas vistas com enredos e coreografias abstratas, híbridas e enérgicas, cheias de contrastes e diferentes velocidades. “Sentíamos que estávamos a produzir uma coisa fresca na cidade, algo relevante, isso era muito bom.”

Enquanto vivia intensamente no mundo e nos movimentos do hip-hop, Bruno Beltrão começou a experimentar levar esse estilo de dança além dos limites de sua própria estrutura, desafiando linguagens, conceitos e paradigmas. “A competição é um modelo muito forte no Brasil, é realmente a porta principal para entrar no mercado da dança, mas começava a sentir necessidade de montar um espetáculo meu que tivesse impacto, com música e com tempo, sem ser algo empacotado e com regras já estabelecidas que nos obrigavam a mostrar muito em pouco tempo.”

Em 2000, matriculou-se na faculdade de dança do Centro Universitário da Cidade, no Rio de Janeiro, e um ano depois estreou o dueto de dança contemporânea em Copacabana, algo que marcou um ponto de viragem na sua carreira. “Na faculdade conheci professores incríveis que fizeram comigo um trabalho de reflexão e pensamento fundamental. Incentivaram a minha inquietação de questionar os fundamentos da dança de rua e me impulsionaram a tentar uma inovação e uma quebra, usando os elementos da dança de uma forma diferente”, afirma o coreógrafo, recordando o momento em que começou a desenvolver uma visão muito pessoal da dança urbana.

“Nesse duo ataquei tudo o que me incomodava na dança de rua, a peça tinha silêncios, repetição de movimento e tudo era feito de uma forma mais calma. Se por um lado, as pessoas da dança contemporânea me diziam que tinha feito algo fresco numa linguagem diferente, o pessoal da dança de rua estranhou muito esse trabalho.”

No Grupo de Rua a dança urbana mistura-se com a dança contemporânea em imagens e movimentos cheios de contrastes e ritmos diferentes

Wonge Bergmann

Um processo coletivo, interrogações atuais e a dança de rua em contradição

“Nova Criação” é o nome do seu mais recente espetáculo, cujo processo criativo começou em outubro passado de forma completamente coletiva. “O nosso processo é sempre uma colaboração, não é uma coreografia de autor que eu apresento e os dez bailarinos reproduzem, todo o mundo colabora. Nos primeiros 15 dias só conversamos, vemos filmes, documentários, assistimos coreografias de outros autores, ninguém se levanta para fazer absolutamente nada”, explica.

A intenção, que é também uma obsessão, passa sempre por não repetir o que já foi feito, mas procurar a novidade, e não dançar apenas pelo movimento, mas questionar um tema e demonstrá-lo de alguma forma em cima do palco. “O Grupo de Rua tem uma assinatura, em todos os trabalhos questionamos se o que fazemos é relevante o suficiente, não é uma dança pura, é sempre o resultado de uma interrogação dentro do grupo”, sublinha o coreógrafo, acrescentando que a relação do coletivo com a dança de rua tem tanto de rica como de contraditória.

“Há bailarinos que fazem passos incríveis de breakdance, mas nunca usamos isso porque fica fora do contexto do grupo. Fazemos sempre um cruzamento do que é a dança de rua pura e dura com outras coisas, ao mesmo tempo não a abandonamos porque o nosso vício por ela também é enorme. Temos paixão por este tipo de linguagem, que nos acompanha desde o início, queremos ficar junto dela, mas também nos queremos separar.”

Dez bailarinos vão subir ao palco num espetáculo que pretender refletir sobre o "caótico" Brasil atual

Um presidente [Jair Bolsonaro] “sem apreço pela cultura e fazendo coisas surreais” num país “pegando fogo e vivendo de forma caótica” foram o ponto de partida para esta “Nova Criação”. “Martelamos muito nesta ideia: de que forma é que a nossa dança se comunica com o resto do mundo? De que foram estamos a dialogar com os problemas do nosso país? Subimos ao palco só para dançar ou para fazer as pessoas refletir? Como é que o Brasil vai estar dentro da nossa peça?”

Bruno Beltrão não tem dúvidas de que este é o espetáculo mais “pesado e pessimista” que já idealizou com a companhia, sendo um reflexo do tempo presente. “Não queremos que a nossa dança seja descolada da nossa realidade e do turbilhão que estamos sentindo. Ficaria muito mal se tivesse feito um espetáculo leve e para cima com tudo o que estamos vivendo, é uma peça com uma atmosfera dark e mais down, mas não poderia ser de outra forma.”

Depois de Berlim, os bailarinos Wallyson Amorim, Camila Dias, Renann Fontoura, Eduardo Hermanson, Alci Junior, Silvia Kamyla, Ronielson Araújo ’Kapu’, Leonardo Laureano, Antonio Carlos Silva, Leandro Rodrigues sobem ao palco do Teatro do Campo Alegre, no Porto, este sábado e domingo pelas 19h30, partem depois para a Dinamarca, Atenas, Viena e Bélgica, aterrando novamente em território nacional de 3 a 4 de junho na Culturgest, em Lisboa.

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