“Ainda bem que estão aí pessoas com bandeiras da Ucrânia, porque estão bem aqui neste espaço de liberdade”, disse Jerónimo de Sousa a abrir o desfile. O líder do PCP não muda de opinião de um dia para o outro e muito menos da manhã para a tarde. “Essa questão já foi respondida de manhã”, repetiu Jerónimo sobre a posição do PCP quanto à guerra na Ucrânia. Apesar dos aplausos que foi ouvindo durante a descida, o secretário-geral comunista também viu alguns polegares apontados para o chão, com aqueles que carregavam as bandeiras da Ucrânia a dizerem que o “ambiente não era o mais favorável”.

“Paz sim, guerra não” foi um dos cânticos mais entoados ao longo da tarde – sobretudo à passagem pelo Centro de Trabalho Vitória –, mas Jerónimo de Sousa não quer dar mais gás ao assunto e diz apenas que as perguntas sobre o conflito “são um ciclo vicioso”, convidando todos os que se sentem ucranianos a entrar no desfile. Apesar do convite, há um homem de meia idade que prefere não revelar o nome e que desabafa que “não é fácil andar com isto aqui”. Isto é um cartaz que diz: Somos todos ucranianos e que serviu até de fundo à declaração de Catarina Martins aos jornalistas.

A líder do Bloco de Esquerda diz que o partido “está sempre do lado dos oprimidos. Condenámos todas as invasões da NATO, todas as invasões imperialistas, assim como condenamos a invasão da Rússia”, saindo em defesa de um país com “soberania popular”. O Bloco de Esquerda não integra a “caixa” central do desfile – com o PCP, o PS e outras organizações –, mas integra a comissão promotora. Voltemos ao homem com o cartaz da Ucrânia, que diz que “nem fotografias posso tirar. Sou logo empurrado”, mas que assegura que quando vê “mau ambiente” prefere “ir embora do que arranjar confusões”. Do meio da descida para a frente, um homem não hesita em ir atrás das duas chaimites que lideram o desfile com uma bandeira de Portugal às costas e uma da Ucrânia num grande estandarte, sem confusões e sem problemas.

O Partido Socialista, que enquanto partido do Governo tem liderado a condenação à Rússia, diz, a poucos metros de Jerónimo de Sousa, que “os valores da democracia e da liberdade são partilhados por muitos povos” e que, por isso, “é normal que este dia seja aproveitado para muitos manifestarem a solidariedade para com a Ucrânia”, mantém o secretário-geral adjunto, João Torres, sem comentários à posição do antigo parceiro. O dia não é de antagonismos, num dos raros momentos em que o PCP ainda caminha lado a lado com o Partido Socialista.

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Avenida sem restrições encheu até aos liberais

Se o ano passado foi a Covid a marcar o desfile, este ano a guerra esteve direta e indiretamente na boca dos que saíram à rua – ainda que um conjunto de negacionistas tenha marcado uma contra-manifestação para o mesmo local. É que para além dos aplausos e dos polegares para baixo, apoiando ou criticando a posição do PCP, a critica à perda de poder de compra foi outro dos cânticos mais entoados durante a tarde, dando seguimento à maioria dos discursos que se ouviram esta manhã na Assembleia da República e que pediam a melhoria das condições dos trabalhadores e um mais acelerado crescimento económico do país – estes mais à direita.

Uns largos metros atrás, a Iniciativa Liberal – que tinha criticado a falta de crescimento do país –, juntava pelo segundo ano consecutivo, centenas de militantes para um desfile ‘paralelo’ de um dia que dizem “não ter donos”. Como pano de fundo, várias bandeiras da Ucrânia, numa manifestação em que o partido de João Cotrim Figueiredo convidou vários representantes da comunidade ucraniana e que contou com a presença da embaixadora em Lisboa, Inna Ohnivets.

Com uma afluência manifestamente superior à do ano passado, em que o desfile da Iniciativa Liberal já chegava perto dos carros da PSP que encerravam o desfile tradicional, os quiosques de venda de bebidas não tiveram mãos a medir e os baldes com os cravos que as floristas levaram para vender não eram suficientes face à procura, numa avenida que mistura nos passeios figuras que vão do humorista Ricardo Araújo Pereira a André Coelho Lima, membro da direção do PSD, que até adotou um visual mais casual, ou do ator Nuno Lopes a Jel, o cantor e humorista que se popularizou por causa “da luta” e que por isso não deixa de ser requisitado para umas selfies na Casa do Alentejo.

A tarde “inteira e limpa” – com sol e calor – , foi também um chamariz para a grande afluência que a Avenida da Liberdade registou esta tarde e, quando no Rossio já as intervenções no palco terminavam ainda os últimos grupos estavam a entrar na Praça dos Restauradores. Junto ao palco – instalado ao lado de um contentor de testes rápidos da Covid-19 –, um grupo dava o desfile por concluído: “vamos aos gelados”. A normalidade está resposta.