Os históricos clubes noturnos lisboetas Tokyo e Jamaica mudam-se em junho para um novo espaço criado de raiz, mesmo junto ao rio Tejo, mas a alma pretende-se a mesma, agora no Cais do Gás, na reabertura das duas casas.

Da chamada rua cor-de-rosa, os dois clubes, fechados desde março de 2020 devido à pandemia de Covid-19, passam para o quarteirão atrás da estação de comboios do Cais do Sodré e ao lado da estação fluvial, recuperando armazéns frente ao Tejo.

As obras, que tiveram início há cerca de sete meses, estão quase a terminar e, conforme disse à Lusa Fernando Pereira, sócio da estrutura dona do Tokyo e do Jamaica, e arquiteto que assina os projetos, têm decorrido “como qualquer obra”.

“Tivemos algumas dificuldades iniciais porque estávamos a contar conseguir ter uma estrutura que suportasse o projeto, e acabámos por ter que demolir alguns elementos e praticamente fazer uma obra de raiz”, explicou à Lusa, referindo que por essa razão os trabalhos tiveram um atraso de um mês e meio a dois meses.

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A pandemia veio alterar um pouco a gestão da empreitada, já que os dois clubes, juntamente com o Europa (que não abre na mesma altura por as obras estarem mais atrasadas), iriam deixar os espaços na Rua Nova do Carvalho apenas quando as novas casas estivessem prontas, havendo uma continuidade e não um interregno, como acabou por acontecer.

“Acabámos por acordar com o senhorio uma saída antecipada que teve um valor de compensação, porque não fazia sentido continuarmos a adiar, adiar, e a pandemia a continuar e a continuar”, explicou Fernando Pereira.

Em 2021, ano em que o Jamaica fez 50 anos, terminou um longo processo que teve início em outubro de 2015, após uma denúncia do contrato de arrendamento por parte dos senhorios.

Os espaços continuaram a funcionar até março de 2020, quando tiveram de encerrar portas devido ao primeiro confinamento, isto depois de em dezembro de 2018 terem tido a garantia de que teriam um novo espaço disponibilizado pelo município.

No ano passado, foi anunciado que os projetos e obras seriam custeados pelas discotecas, com o acréscimo do pagamento de uma renda à câmara, e que o prédio onde se localizavam antes foi vendido pelos cerca de 30 proprietários a uma imobiliária, que, por sua vez, o revendeu a um grupo hoteleiro francês.

Nos novos espaços, disse Fernando Pereira, há “condições de vida que não se conseguiriam nunca ter” nas antigas salas, já que não havia copa, armazém ao lado do bar ou zona técnica e até os “aparelhos de ar condicionado estavam na cave, quando deviam estar no telhado”.

“Tudo isso eram dificuldades que tínhamos e que eram inultrapassáveis”, frisou, recordando que no Tokyo não havia sequer espaço para um camarim para poder receber as bandas que iam atuar.

As casas, apesar de novas, irão ter “a mesma alma”, garantiu o sócio. No Jamaica, o DJ residente irá continuar a ser Bruno Dias e mantém-se todo o pessoal, que conseguiu “aguentar através do lay-off”.

O Jamaica, conhecido por passar clássicos de rock e pop, terá o dobro da capacidade, cerca de 300 clientes, mas o ambiente, de acordo com Fernando Pereira, será sempre o mais fiel possível em relação ao que havia no Cais do Sodré: há uma parede que se desloca, “permitindo fechar o espaço” e ter “praticamente o mesmo ambiente” nas noites mais fracas – as terças, quartas e quintas.

Quanto ao Tokyo, vai continuar a receber e a promover bandas, sendo que o palco, apesar de maior e com melhor equipamento de som e luz, ficará quase ao nível do solo, de forma a “manter o ambiente íntimo que já existia” e de que as bandas “tanto gostavam, pela proximidade ao público”.

Fernando Pereira mostrou-se expectante acerca da reabertura e de como será o futuro, após um investimento que, no conjunto, supera um milhão de euros.

“A marca Jamaica, e nos últimos anos a marca Tokyo, na música ao vivo, conseguiu conquistar muita gente e muitos projetos e continua fortíssima”, frisou, admitindo que de início possa haver alguma confusão quando se disser que o Jamaica reabriu e não está nas instalações antigas, mas será uma questão de passar a palavra, porque, afinal, estará só a 500 metros de distância.

“Não hesitei quando escolhi o espaço. A entrada vai ser única, quem entrar vai conseguir aceder ao Jamaica ou ao Tokyo, ou ambos, sem qualquer restrição. Depois, sem ter que sair para a rua, conseguem ter um espaço para poderem fumar, para confraternizar exterior sem o barulho da música”, explicou, lembrando ainda que o pátio exterior poderá abrir mais cedo do que os próprios clubes para iniciativas várias.

Apesar de ainda não ter uma data para abertura, o responsável prevê já “muitas festas”, inclusive a dos 50 anos do Jamaica: “Acho que toda a gente vai ficar surpreendida pela positiva.”

Durante a pandemia, numa altura em que esteve à porta do Jamaica enquanto a mulher reproduzia um painel que se encontrava no interior, Fernando Pereira viu um casal que à passagem se entreolhou e se abraçou fortemente, como quem diz que o clube fazia parte da sua história. São essas as memórias que quer guardar da casa onde esteve muitos anos, enquanto novas memórias são criadas.