O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) está na reta final na investigação ao caso EDP mas antes da acusação, que deverá deduzida até ao final do ano, decidiu arquivar as suspeitas contra Pedro Rezende (ex-administrador da EDP) e Pedro Furtado (diretor da REN).

Constituídos arguidos em junho de 2017 e alvos de uma certidão extraída do processo principal em 2020, Rezende e Furtado são agora ilibados por o MP não ter conseguido “obter a prova, ainda que no plano indiciário, das suspeitas quanto aos arguidos”, lê-se no despacho de arquivamento de 31 de março a que o Observador teve acesso e que foi inicialmente noticiado pelo semanário Novo.

As ‘portas giratórias’ do caso EDP

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Apesar de terem arquivado o caso contra Rezende, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, titulares do caso EDP, fazem questão de escrever no despacho de arquivamento que não se mostram “arredadas as suspeitas de corrupção na contratação de Ricardo Ferreira [como diretor da Departamento de Regulação e Concorrência da EDP] (…)” matéria que, acrescentam os magistrados, será investigada no “processo principal” por “eventualmente” ter sido “praticado por outras pessoas” da EDP.

As razões do arquivamento

No centro da investigação a Pedro Rezende estava a contratação de Ricardo Ferreira para diretor do Departamento de Regulação e Concorrência da EDP, cargo que ocupa desde maio de 2005. Refira-se que Ferreira não é arguido do caso EDP.

Ricardo Ferreira saiu da consultora Boston Consulting Group (BCG) para assessorar em 2003 o então ministro Carlos Tavares em matérias energéticas, nomeadamente na construção da arquitetura legal que levaria à substituição do regime dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) pelo regime dos Contratos de Custos de Manutenção para o Equilíbrio Contratual (CMEC) em 2007. Ferreira continuou como adjunto do ministro Álvaro Barreto, substituto de Carlos Tavares, até à queda do Governo de Santana Lopes, tendo saído em maio de 2005 para a EDP.

Como a EDP escreveu, influenciou e negociou 11 diplomas, contratos e licenças do Governo

Pedro Rezende saiu em 2003 da vice-presidência da BCG (onde era sócio desde 1990) para a administração da holding da EDP e para a liderança da subsidiária EDP Produção. Foi como líder desta última sociedade que veio a assinar os primeiros acordos de cessação dos CAE.

Ora, a suspeita central era que Rezende teria sido o responsável pela contratação de Ricardo Ferreira para a EDP. Ora, o MP não conseguiu encontrar prova documental de qualquer “interação comprometedora” entre Rezende e Ferreira. Acresce, aliás, que foi o próprio Pedro Rezende quem decidiu diminuir o volume de contratação de serviços à BCG e solicitou ao conselho de administração da EDP que a sua mulher (então consultora da BCG) não trabalhasse com a elétrica.

Já Pedro Furtado, diretor da REN, viu o MP arquivar os autos contra si por ter sido anulada a apreensão da sua caixa de correio eletrónica por decisão do juiz Ivo Rosa — que, após recurso do MP, veio a ser confirmada pela Relação de Lisboa.

O caso Ricardo Ferreira

Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, contudo, foram particularmente duros com Ricardo Ferreira no despacho de arquivamento. É verdade que o diretor da EDP nunca foi constituído arguido mas desde há muito que existem referências nos autos sobre o seu alegado conflito de interesses.

Ricardo Ferreira, diretor do Departamento de Regulação e Concorrência da EDP

Em primeiro lugar, Ricardo Ferreira é apontado por diversos testemunhos como um dos principais responsáveis pela arquitetura legal que veio dar origem à transformação contratual que regula a aquisição de energia por parte da EDP — e que está sob suspeita no caso EDP. O outro ‘arquiteto’ daquele ordenamento jurídico é João Conceição, que também trabalhou na BCG com Pedro Rezende e Ferreira, foi assessor do Ministério da Economia de Carlos Tavares e mais tarde adjunto de Manuel Pinho na mesma pasta. Conceição é arguido no caso EDP pela alegada prática de dois crimes de corrupção passiva.

Constam dos autos inúmeros emails de João Manso Neto, administrador da EDP, a solicitar a Ricardo Ferreira a sua opinião sobre alguns dos anteprojetos de leis, decretos-lei e portarias do regime CMEC que a EDP produziu e enviou para o Ministério da Economia liderado por Manuel Pinho para que fossem aprovados pelo Governo. Alguns desses 11 diplomas, contratos e licenças estão descritos neste trabalho de investigação do Observador.

Foi por tudo isto que Ricardo Ferreira foi chamado em setembro de 2018 à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) às rendas excessivas no setor energético. Nessa audição repetiu o que já tinha garantido ao Observador em julho de 2017: tinha sido apenas um mero técnico no Ministério da Economia, nada decidiu porque não tinha poder para tal, quando saiu também recebeu convites da REN, da Autoridade da Concorrência e considerou como “natural” a sua opção pela EDP.

“Toda a legislação está ao alcance de todos os cidadãos, não sendo o know-how legal deste ou de outros setores exclusivo dos elementos de gabinetes ministeriais”, respondeu fonte oficial da EDP ao Observador em 2017 quando o nosso jornal dirigiu as primeiras questões a Ricardo Ferreira sobre o seu alegado conflito de interesses.

Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto não têm a mesma visão que a EDP.

Ricardo Ferreira considera “natural” sair do Governo e ir para EDP

Em primeiro lugar, o MP considera que a “passagem direta de um adjunto de gabinete governamental para a maior empresa (com 75% do capital nas mãos de privados) do setor destinatário da legislação e trabalho ali produzido é tudo menos “natural” — uma referência às declarações de Ricardo Ferreira na CPI das rendas excessivas.

Mais: por si só “configurava suspeita bastante para iniciar uma investigação criminal (pela possível prática de crime de corrupção, por exemplo).”

Os procuradores também desvalorizam o facto de Ricardo Ferreira ter sido igualmente convidado em 2005 por duas entidades públicas (a Autoridade da Concorrência e a empresa Redes Energéticas Nacionais, cujo capital pertencia então integralmente ao Estado). O facto de Ferreira “ter ido nos primeiros meses de trabalho na EDP para Espanha (porventura de modo a não gerar desconfiança sobre os verdadeiros motivos da sua contratação), só reforça a aludida suspeita da prática de crime na sua contratação pela EDP”, lê-se no despacho de arquivamento.

Por último, os titulares do caso EDP entendem igualmente que o facto de Ricardo Ferreira ser apenas um técnico (e não o decisor político) em nada “mitiga e muito menos arreda essa suspeita, sendo já diversas as decisões judiciais condenatórias por corrupção de supostos ou alegados ‘meros’ intervenientes (autores de informações ou pareceres, por exemplo) em procedimentos administrativos.”

E porquê? Porque se entende que a “reputação de competência técnica era suficiente para o seu entendimento ser acolhido acriticamente pelo superior, assim influenciando ilícita e decisivamente o rumo de decisões finais de superiores hierárquicos, neste caso de membros do Governo”, lê-se no despacho de arquivamento.

O Observador confrontou Ricardo Ferreira com todas citações do despacho de arquivamento acima referidas e solicitou um comentário. Nenhuma resposta foi enviada à hora da publicação deste artigo.

Texto corrigido às 11h00 de 21 de maio com a informação de que Pedro Furtado continua a ser diretor da REN