Este ano assistimos à troca dos antigos World Rally Cars (WRC) pelos novos Rally 1, que pretendem ser mais potentes – para incrementar a espectacularidade –, mais amigos do ambiente (são híbridos e usam combustível sustentável), mais simples e mais seguros. Para esta última característica muito contribui a nova célula de sobrevivência tubular, suportada num roll-bar completo mais robusto, para melhor proteger os pilotos, que é igual para todas as marcas, sendo depois revestida por painéis que dão o aspecto exterior que interessa a cada fabricante, com a Ford a ter desenhado um Puma, a Toyota um Yaris e a Hyundai um i20. E os acidentes graves que já ocorreram este ano provaram a validade da solução. Que o digam Adrien Fourmaux (Ford) e Thierry Neuville (Hyundai) que destruíram os seus carros nas primeiras provas da época e não registaram a mais pequena beliscadura.
Mecânica híbrida com mais 31% de potência
Se as alterações ao nível da carroçaria são imensas, foi a componente mecânica a que mais evoluiu. Por um lado, ganhando potência mas, por outro, tornando-se mais simples para atrair novos construtores, uma vez que toda a parte híbrida é igual e fornecida aos fabricantes pela FIA. Alimentado por uma bateria com uma capacidade de 3,9 kWh, o motor eléctrico fornece 100 kW, cerca de 136 cv, durante um curto período que depende da extensão e do tipo de troço cronometrado, mas que rondará 10 segundos. A vantagem é que depois, durante as travagens e desacelerações, o mesmo motor eléctrico faz de gerador, recarregando a bateria com uma potência de 30 kW, para que ela volte a fornecer potência aos Rally 1. Este conjunto híbrido (que na prática é plug-in, pois pode ser recarregado durante as assistências quando ligado a um carregador) é fornecido pelos alemães da Compact Dynamics, devidamente protegido dos impactos numa robusta caixa em fibra de carbono. O sistema híbrido torna ainda possível que os Rally 1 possam percorrer cerca de 20 km em ritmo civilizado, como o que usam nas ligações entre classificativas.
O motor principal dos novos carros do WRC continua a ser o 1.6 turbo com injecção directa, que fornece 380 cv. Mas esta unidade está agora mais amiga do ambiente, dado que a gasolina que queima é produzida a partir de uma mistura de biocombustível e gasolina sintética, de forma a reduzir emissões poluentes e ser neutra em carbono. A potência dos dois motores somada supera os 500 cv, o significa mais 31,5%, enquanto o binário sobe de 450 para 550 Nm, um aumento de 22%, ganhos notáveis para um modelo que tem essencialmente o mesmo peso dos anteriores WRC. Para conseguir estes incrementos apenas com um maior motor de combustão, o WRC teria consumos e emissões muito mais elevados, com o sistema híbrido a permitir-lhe reclamar uma responsabilidade ambiental que lhe atrairá patrocinadores e novas marcas.
Luzes vermelha, verde e azul avisam se há perigo
Os carros de ralis sempre foram expostos a acidentes violentos, correndo o risco de embater contra rochas, árvores ou cair de penhascos. Agora que no seu interior está uma bateria de alta densidade e cabos pelos quais circulam grandes quantidades de energia, um toque mais forte pode provocar problemas graves, de uma ruptura numa célula que perca electrólito e que se incendeie, a um cabo cortado que fique com uma passagem de corrente ao chassi, que possa electrocutar quem lhe toque, para o repor na estrada ou para assistir os pilotos.
Para evitar acidentes com o público e até com os mecânicos e pessoal de emergência médica, a FIA criou um sistema de luzes avisadoras no pilar B que informam quem se aproxime do estado do carro. A luz verde é a que todos querem ver, ao ser a que garante a segurança do veículo, indicando que tudo está bem com o sistema híbrido de alta tensão dos Rally 1.
Assim que acende a luz vermelha é o pânico ou, pelo menos, é chegada a altura de redobrar a atenção, uma vez que o sistema eléctrico dos carros de competição terá um ou mais parâmetros fora dos valores regulamentares. O público não deve aproximar-se e apenas o pessoal especializado pode intervir, à semelhança do que acontece com um veículo eléctrico de estrada, após sofrer um acidente ou acusar uma anomalia grave.
Existe ainda uma luz azul destinada a informar que o veículo sofreu uma pancada forte, capaz de colocar em causa a estabilidade estrutural do modelo ou a saúde dos pilotos. Um e outros devem ser rapidamente vistos pelos especialistas, engenheiros para os primeiros e médicos para os segundos. Isto porque se a estrutura pode suportar uma desaceleração de 70G, segundo Tim Jackson, o engenheiro responsável pelo desenvolvimento do Puma, é necessário garantir que após o impacto não apresenta deformações ou microfissuras e que os pilotos estão capazes de suportar outro impacto das mesmas dimensões.
Mais simples, mas não necessariamente mais baratos
Conscientes que teriam de suportar os custos do sistema híbrido, que é fornecido pela empresa germânica que também equipa com motores e baterias o team da Audi ABT da Fórmula E, os construtores realizaram algumas poupanças para simplificar os Rally 1 e diminuírem os seus custos, tornando os novos modelos mais interessantes para as marcas que queiram participar no Campeonato do Mundo de Ralis.
O diferencial central dos anteriores WRC desapareceu, bem como as caixas com seis velocidades e patilhas no volante. No respectivo lugar surgem agora sistemas de transmissão integral só com dois diferenciais (dianteiro e traseiro), numa solução mais simples e barata, similar à utilizada nos WRC2. A caixa passa a ter apenas cinco velocidades e o comando passa a ser por alavanca colocada no piso, com a FIA a retirar assim as únicas duas funções que necessitavam de um circuito hidráulico, que encarecia e tornava mais complexo os carros de WRC. Mas não se pense que os novos Rally 1 são uma pechincha, pois se os WRC de 2021 rondavam 1 milhão de euros, bem acima dos 190.000€ dos WRC2, os carros híbridos de ralis não lhe ficam muito atrás.
O chassi tubular é igual para todos, tal como o sistema híbrido, o que reduz o custo total e, sobretudo, o investimento associado ao desenvolvimento. Para compensar o peso adicional do sistema híbrido, que ronda os 100 kg, foi necessário recorrer a alguns painéis da carroçaria em fibra de carbono. Solução dispendiosa, mas que permitiu recuperar 70 kg, tornando os Rally 1 apenas 30 kg mais pesados do que os WRC de 2021, ou seja, apenas mais 2,5%.
Tim Jackson, da Ford M-Sport, explica aqui as inovações introduzidas no Ford Puma Rally 1: