O constitucionalista Vital Moreira defendeu, esta quarta-feira, que a reforma do sistema eleitoral “não está na agenda”, com a investigadora Marina Costa Lobo a convergir, considerando que o PS e o PSD não estão “nada inclinados para uma reforma profunda”.

“Eu penso que, claramente, a reforma do sistema eleitoral não está na agenda, nem vai estar. Não vai estar na agenda, (…) muito menos quanto a grandes reformas tipo importar o sistema alemão. (…) Sou bastante cético”, afirmou o constitucionalista Vital Moreira.

Vital Moreira falava no âmbito de uma conferência intitulada “As legislativas de 2022 e a reforma do sistema eleitoral português”, que decorreu na Universidade Lusíada, em Lisboa, tendo considerado que a “possibilidade de o quadro constitucional vir a ser revisto é bastante reduzida“, e que, qualquer eventual reforma do sistema eleitoral que venha a ser feita será elaborada “no quadro constitucional existente”.

Membro da Assembleia Constituinte que, entre 1975 e 1976, elaborou a Constituição da República de 1976, Vital Moreira defendeu que o atual sistema eleitoral português tem “dado boa conta do recado”, sem que, nos seus quase 50 anos de existência, tenham surgido “crises eleitorais”.

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“Somos um país estável em termos eleitorais: as eleições eleitorais nunca foram impugnadas por falta de legitimidade eleitoral ou por injustiça do sistema eleitoral. Todas as propostas de reforma eleitoral até agora feitas naufragaram ou nem sequer chegaram a ser consideradas”, relembrou.

O também professor da Universidade de Coimbra sublinhou que a “opinião pública não sente que haja nenhuma crise de legitimidade do sistema eleitoral”, e frisou que essa reforma “não faz parte nem da primeira, nem da segunda, nem da décima preocupação dos portugueses, mesmo em matéria eleitoral”.

“Em matéria eleitoral, o que interessa aos jovens é a idade eleitoral, é o voto remoto, eletrónico, ou por correspondência, é a ‘accountability’ dos deputados perante os eleitores, é isso que lhes interessa. Sistema proporcional, distritos eleitorais… Não creio que estejam entre as grandes preocupações dos portugueses”, reforçou.

Vital Moreira reconheceu, no entanto, que o atual sistema eleitoral cria um “número dramático de votos desperdiçados”, existindo uma “desigualdade indesmentível: há os cidadãos cujo voto serve para eleger deputados e os cidadãos cujo voto não serve para eleger deputados”.

O constitucionalista acrescentou ainda que “o atual sistema claramente atrai a abstenção”, porque “uma pessoa politicamente empenhada que saiba o que seu voto no seu partido não vai servir para nada, não vai votar”.

Nesse âmbito, Vital Moreira referiu que considera que a “criação de um círculo nacional pode ter toda a justificação, justamente para dar a conhecer aos portugueses que o seu voto, onde quer que seja — desde que seja num partido, obviamente, que eleja mais do que 1% ou 2% a nível nacional — conta”.

Intervindo depois do constitucionalista, Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, convergiu com Vital Moreira, referindo que, devido à maioria absoluta socialista, “as perspetivas para a reforma do sistema eleitoral do ponto de vista do PS são extremamente improváveis”.

A investigadora indicou também uma falta de vontade política da parte do PSD para reformas profundas, sublinhando que, no atual contexto político, “o problema da governabilidade que sempre existiu à esquerda, e que foi resolvido pela ‘geringonça’, agora passou para a direita, no sentido em que pelo menos uma parte do PSD tem muitas dúvidas sobre a viabilidade de uma coligação com o Chega“.

“Nesse sentido, todas as reformas que vão no sentido de aprofundamento da proporcionalidade vão ser vistas com enorme ceticismo da parte do PSD, porque isso só iria facilitar o não desperdício de votos do Chega, por exemplo, que neste momento só iria fragmentar ulteriormente a direita e dificultar um Governo estável à direita”, disse.

A investigadora reiterou assim que “tanto o PS como o PSD não estarão nada inclinados para uma reforma profunda no sentido da melhoria da proporcionalidade”.

Divergindo, no entanto, de Vital Moreira, Marina Costa Lobo frisou que, apesar de ser “absolutamente verdade” que “as pessoas não pensam no sistema eleitoral”, isso não significa que o mesmo não deva ser reformado, uma vez que “há de facto um problema do relacionamento dos cidadãos com o sistema político, há um distanciamento dos cidadãos”.

“O sistema eleitoral não é alheio a isso porque, obviamente, não sendo uma panaceia e não sendo uma solução — não se pode mudar o sistema eleitoral para resolver este divórcio que existe entre a sociedade civil e os políticos, certamente o sistema eleitoral não tem poderes para resolver essa questão — mas faz parte da equação”, sublinhou.