Entre aprovação de contas e alterações a regulamentos, o Conselho Nacional do Chega deste domingo fica marcado por um tema que não estava na ordem de trabalhos, mas que está há muito na ordem do dia: Nuno Afonso. A saída de chefe de gabinete e as recentes declarações do número dois do Chega agitaram a reunião, levaram a várias trocas de acusações e terminaram com Nuno Afonso a abandonar o local em protesto. Uma coisa ficou clara: a porta de saída está aberta e quase todos os membros da direção de Ventura, incluindo o próprio, arrasaram, à vez, Nuno Afonso numa espécie de ‘roast’ (crítica coletiva).

As indiretas começaram a surgir cedo, umas mais tímidas, outras não tanto. A maioria vinha com o selo da direção nacional e/ou de deputados do Chega, mas o ponto alto da discussão aconteceu após uma intervenção de Rodrigo Alves Taxa, presidente do Conselho de Jurisdição, que levou à resposta de Nuno Afonso e à intervenção do próprio André Ventura, que aproveitou o momento para colocar os pontos nos i’s e deixar claro que não está rodeado de “medíocres”. Era uma resposta a Nuno Afonso que, após ser exonerado, disse numa entrevista ao Observador que “quando há demasiada mediocridade tentam afastar-se os bons”.

Rodrigo Alves Taxa subiu ao palco e começou por desafiar Nuno Afonso a dizer quem são as pessoas que o fundador acusa de serem “oportunistas” e de estarem “no partido por dinheiro” — uma questão que foi até repetida por André Ventura mais tarde, mas a curiosidade não ficou desfeita porque o ex-chefe de gabinete não quis dar nomes.

Mas o presidente do Conselho de Jurisdição tinha mais para acrescentar: primeiro, quis esclarecer que Nuno Afonso não abdicou de um salário (que já disse ser de mais de 4500 euros) porque a saída não foi uma escolha pessoal e depois sugeriu que deixe a direção nacional (na qual chegou a ser vice-presidente e é agora vogal). “Não abdicaste de um salário, foste exonerado, para abdicares tinhas de te ter despedido, no fundo era o que ficava em consonância com o teu comportamento, que é legítimo, se estás desalinhado com a direção do teu partido, de onde, aliás, também devias sair e não manter-te porque estás contra”, apontou Rodrigo Alves Taxa.

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Na resposta, Nuno Afonso explicou que a decisão de não afirmar publicamente que estava com a direção tinha uma consequência que conhecia e que isso é a prova de que abdicou do salário. “A exoneração é uma formalidade, o André Ventura até me deu à escolha apresentar a demissão ou apresentar a minha exoneração”, frisou, assegurando que preferiu a segunda opção para que o presidente do partido pudesse explicar.

André Ventura não explicou a razão da exoneração e Nuno Afonso justificou perante os conselheiros que sentiu necessidade de falar quando começou a ser pressionado: “Comecei a receber mensagens a acusarem-me de entrar nos computadores dos deputados, de ter roubado dados e que por isso é que tinha sido exonerado.”

Perante as acusações que tinha vindo a ouvir pela referência a “medíocres” no partido, Nuno Afonso não recuou: “O que eu disse é que nas organizações, no geral, quando há pessoas medíocres tendem a afastar as pessoas boas. Disse e repito. E acho que é a verdade.”

Esse era, para André Ventura, o “ponto importante”. Subiu ao púlpito depois de Nuno Afonso e não foi de meias palavras, tendo até subido o tom para confrontar diretamente o número dois do Chega. “A ideia de que todos os outros são maus e que só alguns é que são bons… Não há ninguém neste partido e neste Conselho Nacional que seja medíocre. Há diferenças políticas que são aceitáveis, optaste por não estar com a direção e é legítimo; outra coisa é vires a este palanque dizer que o partido está cheio de oportunistas, gente medíocre e que quer dinheiro e não consegues dizer quem para a pessoa se defender.”

A maioria dos conselheiros gostou do que ouviu do presidente do partido e os ânimos exaltaram-se, com Nuno Afonso no centro das críticas (e dos apupos). Perante o cenário de agitação, André Ventura ainda tinha outro recado: “O Nuno Afonso tem todo o direito de ter uma opinião diferente, mas outra coisa é eu, como presidente da direção nacional, não poder tolerar que chamem à minha direção nacional medíocres. Se são assim tão medíocres, no próximo Congresso encontramo-nos e vocês candidatam-se.”

André Ventura fez ainda questão de frisar que Nuno Afonso foi exonerado por fazer parte de um órgão e não conseguir dizer que “está com ele”. “Se estás num partido, fazes parte da direção e não consegues dizer que estás com a direção, claro que és exonerado. Não venhas com a história que te demitiste, foste exonerado porque disseste que não estavas ao lado da direção nacional do partido. Se há um elemento da direção que não está com a direção, é o mesmo que ser sócio do Benfica e dizer que não é do Benfica”, comparou o líder do Chega.

Contactado pelo Observador, Nuno Afonso confirmou que abandonou o local após a intervenção do presidente do partido e depois de não lhe ter sido permitido, por parte da Mesa do Conselho Nacional, responder. O vereador de Sintra recusou fazer comentários sobre o tema e sobre o que se passou na reunião.

Tanto antes como depois deste momento, o tema marcou o Conselho Nacional, com vários membros da direção e deputados a subirem ao púlpito para se atirarem à posição de Nuno Afonso nas últimas semanas. Mais do que um ataque ao número dois do partido, estava em causa a defesa do líder: Jorge Valsassina Galveias assegurava que “fundador só há um”, enquanto Filipe Melo sublinhava que o “único denominador comum” tinha um nome e era André Ventura.

“Quem não se revê no nosso programa, na nossa atitude ou no nosso líder, tem bom remédio. Enfrentem os atuais órgãos do partido em eleições, não em falsos perfis nas redes sociais. Ou então fundem o nosso partido e deixem-nos trabalhar.” Jorge Valsassina Galveias foi um dos que escancarou a porta de saída a Nuno Afonso, mas Filipe Melo não ficou atrás a apontar o caminho a quem não está com a liderança. “Quem não está bem ou faz verdadeira oposição política ou funda outro partido, sigam o vosso caminho.”

Pedro dos Santos Frazão não abordou o tema de forma direta, mas deixou um recado nas entrelinhas, frisando que “quem não está preparado para receber ou ouvir alguns apartes no Conselho Nacional também não estaria para ouvir apartes como deputado na Assembleia da República”.

E disse mais: “Longanimidade é o caráter da pessoa que suporta as adversidades e insultos e prossegue no seu empenho apesar dos obstáculos, é uma virtude que os deputados têm aprendido não só na Assembleia da República, mas também aqui no partido.”

Ainda entre os deputados, Pedro Pessanha também levou para o Conselho Nacional uma crítica a Nuno Afonso, dizendo que “vergonha e medíocres” é ter tido autarcas no distrito “a boicotar a campanha legislativa porque ou não constavam nas listas ou não estavam de acordo com os nomes”. “Tenham vergonha na cara“, atirou, numa referência a uma ação de campanha em que o agora deputado foi a Sintra e Nuno Afonso não marcou presença. As versões divergem e o vereador de Sintra justifica que foi avisado no dia do evento, poucas horas antes do mesmo.

António Tânger Correa, vice-presidente da direção nacional, usou os minutos que tinha para admitir que se sente “insultado” com as declarações de Nuno Afonso. “Tenho uma carreira que alguns dizem que é distinta ao serviço de Portugal e dos portugueses vêm para aqui chamar-me de medíocre, uma pessoa que nunca fez nada na vida”, afirmou.

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O Conselho Nacional foi o primeiro evento nacional do Chega desde que Nuno Afonso foi exonerado do cargo de chefe de gabinete parlamentar, depois de vários meses em que a relação do número dois com André Ventura se foi deteriorando e em que a gota de água foi o afastamento do membro da direção do cargo. Paralelamente, o partido vive uma das fases em que a oposição interna se torna mais audível e em que há provas de que muitos militantes entraram em rota de colisão com André Ventura e a atual liderança.

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