Andy Murray tinha 8 anos quando Thomas Hamilton, um antigo chefe dos escuteiros afastado por queixas de conduta imprópria relativamente aos rapazes com quem convivia, abriu fogo no ginásio da escola primária de Dunblane, na Escócia, matando 16 crianças e uma professora.

Também ele e os colegas, naquele 13 de março de 1996, recordou agora em declarações à BBC Sport, tiveram de se esconder debaixo das mesas, em pânico de que o atirador se aproximasse da sala onde tinham aulas; tudo o que lhes chegava era o som dos tiros e dos gritos das crianças, alunas do primeiro ano, que perderam a vida naquela manhã.

Não chegou a acontecer: depois de matar instantaneamente 15 crianças (a última vítima mortal ainda chegaria viva ao hospital) e a professora que lhes tinha acabado de dar uma aula de ginástica, Thomas Hamilton — “Mr. Creepy” era como lhe chamavam na pequena cidade do centro da Escócia — acabou por pôr cobro à própria vida. Andy Murray, agora com 35 anos, sobreviveu. O seu irmão, Jamie, que andava na mesma escola, também.

O massacre, perpetrado com quatro armas de fogo, para as quais o atirador levou cerca de 700 munições, ainda hoje é o mais mortífero da história do Reino Unido. Na passada terça-feira, dia 24 de maio, em Uvalde, Salvador Ramos, de 18 anos, abriu fogo na escola primária local e matou 19 crianças e duas professoras, suicidando-se de seguida. O ataque é considerado o sétimo mais mortal da história recente dos Estados Unidos.

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“Como assim? Como é que acham que é normal que as crianças tenham de ser treinadas para o caso de alguém entrar na escola com uma arma?”

Quando ouviu uma das crianças sobreviventes do massacre da semana passada na escola de Uvalde, no Texas, contar como tinha procurado refúgio debaixo de uma mesa, o tenista escocês, duas vezes vencedor do torneio de Wimbledon, não conseguiu evitar as memórias. Nem a raiva: ficou “zangado” e “incrivelmente perturbado” revelou à BBC Sport esta terça-feira.

“No outro dia ouvi uma criança daquela escola na rádio. Passei por uma situação semelhante quando estava em Dunblane, um professor a aparecer e a fazer sinal a todas as crianças para que se escondessem debaixo das mesas. Era uma criança a contar exatamente a mesma história sobre como tinha sobrevivido”, revelou o tenista.

“Estavam a dizer que fazem estes exercícios, desde pequenos… Como assim? Como é que acham que é normal que as crianças tenham de ser treinadas para o caso de alguém entrar na escola com uma arma?”, questionou, para depois criticar a política de compra de armas nos EUA e apelar a uma mudança. “Acho que já houve uns 200 tiroteios em massa nos Estados Unidos este ano e nada muda. Não consigo perceber. Acho que, a certa altura, vão seguramente de ter de fazer alguma coisa de diferente. Não podem continuar a responder ao problema comprando mais armas e tendo mais armas no país.”

Em 2019, no documentário “Resurfacing”, filmado para a Amazon Prime, Andy Murray tinha quebrado o silêncio e falado pela primeira vez em público sobre o massacre a que sobreviveu. À realizadora Olivia Cappuccini, o tenista confidenciou a estranheza que sentiu, não apenas por ter passado por essa experiência traumática, mas por conhecer o assassino, que durante anos manteve clubes para rapazes na cidade, onde os ensinava a fazer ginástica e a disparar: “Nós conhecíamos o tipo, ele tinha estado no nosso carro, já lhe tínhamos dado boleia até à estação de comboios e coisas assim”.

Em 2014, Judy Murray deu uma entrevista à Radio Times e regressou à manhã de 1996 em que pensou que ia perder ambos os filhos, Andy, de 8 anos, e Jamie, acabado de fazer 10. Soube que alguma coisa se passava na escola quando estava a trabalhar, na loja de brinquedos que a família tinha no centro de Dunblane. Pegou nas chaves do carro e acelerou. “Estava a conduzir para lá a pensar que talvez não voltasse a ver os meus filhos. Havia imensos carros na estrada — toda a gente estava a tentar lá chegar. Irritei-me, comecei a gritar: ‘Saiam do caminho!’ A cerca de 400 metros de distância, saí do carro e corri”, recordou.

Quando chegou aos portões da escola, que estavam fechados, a mãe dos tenistas deparou-se com um cenário bem diferente daquele que se viveu em Uvalde, onde os familiares das crianças acorreram ao local e se insurgiram quando perceberam que a polícia estava ainda no exterior. “As pessoas não estavam frenéticas. Estavam chocadas, sossegadas. Foi antes dos telemóveis. Ninguém sabia de nada.”