Sob a liderança de Rui Rio, o PSD “quase que pareceu um partido regional”, considerou Aníbal Cavaco Silva. O antigo Presidente da República afirmou que o partido foi, por diversas vezes, “humilhado” pelo PS em debates na Assembleia da República. Em entrevista à CNN Portugal, transmitida nesta sexta-feira, o antigo líder dos sociais-democratas referiu que o partido foi “suporte do PS” e criticou a forma como foi feita a transição da liderança.
“Foi muito negativo para o PSD nos últimos tempos o arrastar da situação da escolha do novo líder. Cinco meses sem líder: as eleições a 30 de janeiro e o novo líder em plena efetividade de funções ao fim de cinco meses, isto é um absurdo total”, disse Cavaco Silva, descrevendo Luís Montenegro como alguém que “tem muito claro na sua cabeça como é preciso fazer oposição”.
Sobre o futuro do partido, Cavaco Silva defendeu que deve ser feita oposição total e sistemática ao Partido Socialista — como adversário, não inimigo. Ao PSD cabe também a denúncia “das atitudes eticamente reprováveis” dos socialistas.
A apatia dos militantes surpreendeu Cavaco
Falando sobre os militantes do PSD, Aníbal Cavaco Silva mostrou-se surpreendido com a sua “apatia”, defendendo ser “fundamental acordá-los”. Estas declarações surgiram na sequência das críticas ao facto de o partido ter estado cinco meses sem liderança — entre as legislativas de janeiro e as eleições diretas do passado fim de semana.
“E enquanto isso o que é que acontecia? A pandemia, a guerra na Ucrânia, havia o Orçamento do Estado, o programa de Governo, o Programa de Estabilidade e o PSD não contava, não contava porque não havia líder, eu não consigo entender. Naquele tempo em que eu conheci o PSD com militantes muito enérgicos, muito dinâmicos, eu penso que se fosse nesse tempo, ocorreria uma revolução dos militantes, que se levantavam.”
As eleições não correram bem ao PSD
“Nas últimas eleições legislativas as coisas não correram bem para o PSD”, reconheceu Cavaco, uma vez que os eleitores não viram o partido como “uma verdadeira alternativa ao Partido Socialista”, acabando por dirigir os seus votos “para outros partidos” ou mantendo o seu voto no PS de António Costa.
“Era claro, desde o início, que o PS estava voltado para o PCP e para o BE e nunca faria qualquer reforma que o país precisa, e precisa muito, com o partido da oposição”, sublinhou. “Portanto, surgiram dúvidas sobre se o PSD era ou não era uma alternativa credível ao PS e se consideravam ou não que o PS era o seu adversário político.”
Cavaco Silva diz-se ainda “chocado” por o PSD não ter denunciado a “desinformação e as mentiras do PS, e de alguma comunicação social”, em relação ao governo de Pedro Passos Coelho.
“O PSD devia elogiar o trabalho que foi feito pelo governo do doutor Passos Coelho porque foi o governo socialista que negociou aquele duríssimo programa de austeridade com o FMI, com a chamada ‘troika’ e o governo do doutor Passos Coelho tentou atenuar a austeridade que o PS negociou com essas instituições e tirou o país da situação da bancarrota, colocou-o numa trajetória de crescimento económico que o Governo que se seguiu da geringonça não soube tirar proveito”, defendeu.
Diretas. Confronto entre bons candidatos
Quanto ao futuro do partido, Cavaco Silva considerou que as eleições diretas, que deram a vitória a Luís Montenegro, foram “um confronto entre dois bons candidatos”, elogiando o “debate civilizado” entre os dois, sem “insultos de parte a parte”.
Questionado sobre a liderança de Rui Rio, o antigo Chefe de Estado escusou-se a comentar. “Desculpe que repita: o doutor Rui Rio é passado, agora devemos olhar para o futuro, e eu olho de forma positiva para o futuro naquilo que concerne à nova liderança do PSD”.
Luís Montenegro, sublinhou, é alguém que “tem muito claro na sua cabeça como é preciso fazer oposição”.
Partido tem de fazer oposição total e sistemática ao PS
E como é que essa oposição deve ser feita? De forma total e sistemática, sempre com o PS na mira, denunciando as “atitudes reprováveis” dos socialistas, sem se preocupar com as lideranças dos outros partidos: o PSD “tem de ser muito claro na identificação do adversário político: o PS e o seu Governo”.
“O que eu penso sobre o futuro do PSD é que ele se deve dirigir a todos aqueles eleitores que não estão satisfeitos com a forma de governar do PS. A todos: aqueles que votaram no PCP, aqueles que votaram no Chega, na Iniciativa Liberal e até os que votaram no PS. Através de políticas alternativas, através de ideias novas, diferentes e ganhando credibilidade para os portugueses serem convencidos de que podem fazer mais e podem fazer melhor.”
O conselho de Cavaco Silva para o PSD para consegui-lo? “Para trazer aqueles que se afastaram” do PSD não se deve criticá-los. “Não é através de insinuar que eles foram menos inteligentes ao votar neste ou naquele partido. Não, eu acho que o PSD deve respeitar todos os eleitores, votem eles como votarem e depois, tentar convencê-los pelas políticas que propõem, pelas ideias que defendem, e muito importante, pela denúncia dos erros, das omissões, das atitudes eticamente reprováveis do PS.”
Estas atitudes foram, segundo Cavaco Silva, a polémica com a nomeação do almirante Gouveia e Melo para Chefe do Estado-Maior da Armada, o afastamento da Procuradora-Geral da República ou a escolha do procurador europeu, José Guerra. “Ao PSD compete neste momento denunciar tudo isto. Quanto a mim, não gastava muito tempo com qualquer um dos outros partidos, cada um vai à sua vida.”
Antes de terminar, Cavaco deixa um novo conselho: a oposição deve ser feita olhando para o PS como “adversário político e não como inimigo”, já que na política não há inimigos. “O PS é um grande partido e o PSD deve ter contactos com o PS em determinadas matérias como seja a defesa nacional, a política externa, a União Europeia, são matérias em que os dois grandes partidos devem ter um contacto permanente. Mas em relação ao resto, o PSD tem que ser muito claro na identificação do seu adversário político: é aquele, não são os outros partidos”, concluiu.