“Exatamente há cem dias, todos nós acordamos para uma realidade diferente.” É assim que começa o discurso de Volodymyr Zelensky, nesta sexta-feira, quando a guerra chega ao seu centésimo dia. Para marcar a data, o Presidente ucraniano fez um discurso onde diz que para assinalar os 100 dias de guerra, são precisas 100 palavras. Umas que “dão esperança”, como “vitória”, outras “dolorosas”, como “tortura”, mas cada uma delas com um peso simbólico. “Todos os dias tínhamos palavras que são muito mais do que apenas palavras para todos agora. Palavras duras”, afirmou o Presidente ucraniano. “Hostomel”, “Borodyanka”, “Okhtyrka”, “Chernihiv”, “Kharkiv”, “Kherson”, “Izyum”, “Melitopol”, “Mariupol” e “Azovstal”, enumera Zelensky.
Mas nem só as palavras marcam a guerra. “Números em vez de palavras. Quando vemos o número de mortos todas as manhãs. O número de feridos. O número de bombardeamentos. O número de mísseis. Quando ao lado da palavra ‘crianças’ surge um novo número todas as manhãs. Hoje — 261. Já 261 crianças foram mortas pela invasão russa. Para quê? Não há palavras que possam responder a esta pergunta.”
A primeira palavra do discurso de Zelensky são duas, na verdade, “nossos heróis”. As últimas “paz, vitória, Ucrânia”, aquelas pelas quais, diz o Chefe de Estado, os ucranianos lutam há cem dias, “já depois de oito anos” de conflito no Donbass. Zelensky relembra ainda palavras ucranianas, mas também estrangeiras, que dão o nome a muito do armamento que passou a fazer parte do dia a dia do país: “Bayraktar”, “Harpoon”, “HIMARS” ou”Starlink”.
“E uma palavra que reflete algo importante do nosso caráter. Do caráter ucraniano. Os ‘Javelins’ que assustavam os inimigos porque esperavam que a armadura os salvasse. E então causou um sorriso, o nosso sorriso, quando os ucranianos também pintaram ‘Saint Javelin’.” Ainda falando de armamento, Zelensky recorda o nome dos mísseis que afundaram o cruzador russo Moskva: “A palavra à qual todos na Ucrânia fazem um brinde — ‘Neptuno’.”
A lista não termina: “exército”, “artilharia”, “Marines”, “guardas de fronteira”, “inteligência”, “Guardas Nacionais”, “polícia”, “defesa territorial”, “aviação”, “pilotos heróicos”. E também a palavra “fantasma” — o fantasma de Kiev, que destruiu inimigos e sobreviveu.
“Havia também palavras que nosso inimigo queria apagar.” Os exemplos são de cidades: “Volnovakha” e “Saltivka”, “Popasna” e “Severodonetsk”. São palavras que, com certeza, os ucranianos voltaram a escrever. “Mas da nossa maneira. Assim como ‘Bucha’. Assim como ‘Mariupol’. E certamente as escreveremos ao lado da palavra ‘tribunal’.”
A outras palavras — “filtragem”, “deportação”, “tortura”, “execução”, “bombardeio de tapete”, “ataque com mísseis” — a Ucrânia responderá apenas com “justiça”.
“Houve também palavras que nos deram esperança e pelas quais lutámos particularmente. ‘Corredores humanitários’, que se tornaram uma estrada de vida para centenas de milhares de pessoas e possibilitaram a superação de outra palavra, a terrível palavra ‘postos de controlo’. Desde o primeiro dia temos palavras cuja distância é como entre as trevas e a luz. Evitamos uma palavra. Esta palavra é ‘refugiados’. E, devido a uma outra palavra, acreditamos que milhões de nós têm futuro. Será em casa, na Ucrânia. Esta palavra é ‘pessoas deslocadas’.”
O rol de Zelensky prolonga-se e fala de “Iskander”, “bombas de fósforo” e “tropas de tratores”.
“E mais uma frase vale a pena mencionar: ‘o segundo exército do mundo’. A princípio parecia ameaçador. Depois, perigoso. Depois de Bucha – causou repulsa. E agora — apenas um sorriso amargo. Porque o que resta dele? Do exército, que era chamado de segundo exército do mundo… Crimes de guerra, desgraça e ódio.”
A terminar o discurso, Zelensky apontas as palavras que serão o futuro da Ucrânia: reconstrução, candidatura e adesão, garantias e segurança. “E definitivamente a palavra ‘retorno’. Claro, com base na palavra que era um sonho, mas que se tornará realidade — ‘libertação’.”