O despacho foi assinado no dia 4 de julho mas as notificações só foram recebidas no dia da morte de José Eduardo dos Santos. “Kopelipa”, alcunha do general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior e “Dino”, abreviatura do general Leopoldino Fragoso do Nascimento, dois dos homens fortes do anterior Presidente de Angola foram acusados de vários crimes, revelou esta terça-feira o site MakaAngola, do ativista e jornalista Rafael Marques e fundador e diretor da organização não governamental Ufolo.

Generais “Dino” e “Kopelipa” foram constituídos arguidos no âmbito do processo CIF

Na conta de “Kopelipa” figuram sete crimes: peculato, burla, falsificação de documentos. associação criminosa, branqueamento de capitais, abuso de poder e tráfico de influências. “Dino” terá de responder por todos os mesmos crimes com excepção de peculato e abuso de poder.

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Os antigos chefes da Casa Militar e da Casa de Segurança do ex-Presidente da República angolano estão a ser acusados no âmbito do processo CIF dentro do plano de combate à corrupção do Estado angolano. Os factos em que a acusação se baseia assentam nas suas relações econoómicas e financeiras com a China, adianta o MakaAngola. Aliás, também o cidadão chinês You Haming, o advogado Fernando Gomes dos Santos e as empresas China International Fund (CIF), Plansmart e a Utter Right (estas suas últimas offshore) fazem parte da lista dos acusados.

As implicações de Manuel Vicente

Segundo o MakaAngola, “o primeiro conjunto de factos diz respeito à venda de petróleo angolano, via Sonangol, à China e ao facto de a Sonangol ou o Estado angolano não terem recebido um cêntimo do dinheiro pago pelos chineses por esse petróleo”. Uma “empresa intermediária de Hong Kong, a China Sonangol International Holding Limited (CSIHL), recebia o petróleo da Sonangol, vendia-o à China e ficava com o dinheiro”.

O jurista Rui Verde, que assina o texto do referido site, não deixa de notar que “o presidente da CSIHL, que nunca teve representação em Angola, era Manuel Domingos Vicente, também presidente do Conselho da Administração da própria Sonangol” e “que os valores em causa ascendem a pelo menos 1500 milhões de dólares. A acusação explica claramente como é que Manuel Vicente fazia negócio consigo mesmo, sendo que a Sonangol apenas possuía 30% do CSHIL)”.

Aliás, o despacho de acusação não deixa de implicar o ex-vice-presidente de Angola, em diversas passagens como esta relativa à CIF: ” (…) Apropriou-se dos 24 edifícios do Estado, construídos pela empresa Guangxi na centralidade do Zango O, contratou a empresa Delta Imobiliária, que os vendeu à Sonangol, EP, através da Sonip, Lda, mediante orientação do engenheiro Manuel Domingos Vicente, pelo valor global de USD 475. 347.200,00 (quatrocentos e setenta e cinco milhões trezentos e quarenta e sete mil e duzentos dólares americanos)”.

Manuel Vicente, “Kopelipa” e “Dino” são os donos da Delta Imobiliária, através do Grupo Aquattro, refere o Ministério Público angolano que descreve como todo o processo de captação de investimentos chineses e o seu envolvimento nas centralidades (grandes bairros habitacionais), um dos grandes projetos de reconstrução nacional do governo de José Eduardo dos Santos. Explica como os chineses investiram nas centralidades, contratadas pelo Gabinete de Reconstrução Nacional, o poderoso e conhecido GRN, e foram pagas pela Sonangol.

O grande pontapé de saída dos negócios com a China começou em 2003, um ano depois de alcançada a paz, quando Angola assinou um acordo de financiamento, do qual resultaram linhas de crédito, em 2004, com o Eximbank, Sinosure-Agência Seguradora de Crédito à Exportação e o CCBB-Banco de Desenvolvimento da China

Neste acordo, o estado angolano “foi representado pelo Ministro das Finanças, Sr. José Pedro de Morais, acompanhado dos Srs. Manuel Domingos Vicente (PCA da Sonangol) enquanto garante do financiamento, e Amadeu Maurício (Governador do BNA)”, recorda o MP.

Por outro lado, a relação com a China desenvolvia-se também na captação de investimentos chineses, em 2004, em que o grande interlocutor do Estado angolano era Manuel Vicente e da República Popular da China Sam Pa,  um nome muito referido nos meios financeiros de Luanda, e “a senhora Lo Fong Hung”.

E é aqui que entra em campo uma outra empresa muito conhecida nos últimos anos, até pelo peso que o então seu presidente, Helder Bataglia, teve no processo ao ex-primeiro-ministro português, José Sócrates, e ao ex-banqueiro Ricardo Salgado.

Diz a acusação do MP angolano, que “um grupo empresarial composto por cidadãos chineses, liderados pelo citado Sam Pa, abordou a direção da empresa ESCOM, através do Embaixador de Angola em Moscovo, o General Roberto Leal Monteiro “Ngongo”, que diligenciou o primeiro contacto entre a ESCOM/Grupo Espírito Santo Commerce e o Senhor Sam Pa, que estava interessado no Banco Espírito Santo, em Macau, com o objetivo de supostamente criar uma grande Offshore para África e América Latina”.

Helder Bataglia terá servido de intermediário, a partir de Lisboa, entre Pequim e Luanda, que enviou uma missão à China tendo Manuel Vicente conhecido Sam Pam. Mas não só. Os encontros tiveram lugar na capital chinesa, mas também em Macau e Hong Kong, não só com vários empresários mas também com o primeiro-vice-ministro chinês, altos responsáveis da Segurança e Chege da Autoridade Monetária de Macau.

Terá sido nessa viagem, segundo o MP angolano, que nasceu a CIF, a empresa pela qual os chineses investiriam em Angola, e se acertou a construção de centralidades e fábricas do Grupo de Sam Pa em território angolano, tendo ficado aí definida a estratégia com a Sonangol.

Passo seguinte, José Eduardo dos Santos, então Presidente de Angola, “decidiu criar um ente estatal novo para tratar da questão relacionada com a cooperação com a China”, diz o despacho. E assim nasce o GRN, Gabinete de Reconstrução Nacional. Manuel Vicente ficou responsável pelos assuntos que envolviam petróleo, “Kopelipa” pelo GRN (onde esteve até 2010).

José Eduardo dos Santos ilibou o general “Dino” num longo depoimento escrito

A acusação refere ainda que o general “Kopelipa” entregou ao Estado angolano todo o património do CIF Angola. Mas, refere o MakaAngola, ignora “o conhecimento, autorização e depoimento do então Presidente José Eduardo dos Santos”.

Em 12 páginas, o ex-Chefe de Estado (que se ofereceu para depor mas que não foi ouvido, recorda o MakaAngola) “iliba totalmente o general “Dino” nas questões da CIF, diz que Kopelipa agiu “dentro dos limites da lei e por sua orientação” e que as medidas obedeceram ao interesse nacional.

“As razões que estiveram na origem da ausência dos proprietários do CIF Ltd e da CIF Lda não são do conhecimento do aqui declarante, no entanto, reafirmou aqui e agora que os senhores tenente-general Leopoldino Fragosos do Nascimento e Dr. Fernando Santos nada têm a ver com a empresa CIF Ltd. e desconhecem a origem dos fundos investidos nos projetos em causa, sendo esta da responsabilidade única e exclusiva dos proprietários do CIF Ltd.”, assegurou no documento que entregou à Procuradoria-Geral de Angola, com assinatura reconhecida pelo 4º Cartório Notarial de Luanda.

Nesse depoimento, o ex-Presidente dizia também nunca ter aprovado a concessão do crédito pelo GRN à China Sonangol ou a construção de vários prédios como as imponentes torres CIF Luanda One e Luanda Two. Mas que aprovou que o GRN apoiasse os projetos de investimento de vários centralidades e atribuiu a Manuel Vicente a responsabilidade de acompanhar os projetos públicos e privados da CIF.

Mas apesar de o despacho de acusação do MP angolano abordar não só a venda do petróleo da Sonangol, mas o GRN e a CIF, nota o MakaAngola, Manuel Vicente, que está ausente de Angola, não é arguido neste processo.