Um acórdão do Tribunal Constitucional (TC) publicado a 24 de junho estabeleceu que os confinamentos que o Governo decretou durante a pandemia são uma “forma de privação da liberdade total”, traduzindo-se na “reclusão no domicílio” e vedando “quaisquer formas de deslocação para fora da residência”. Os três juízes do TC que concordaram com esta decisão traçam mesmo um paralelismo com a situação de “prisão preventiva ou de reclusão penitenciária”. 

Os três juízes consideram, assim, que os confinamentos são inconstitucionais não só sob o prisma formal, como também sob o prisma material, sendo interpretados enquanto privações da liberdade. O Governo apenas pode permitir quarentenas se for decretado o estado de emergência ou se houver uma lei que sustente a decisão.

No acórdão, os três juízes sustentam, por exemplo, que “estabelecer um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde para passageiros de voos oriundos de um grupo de países fixados por despacho conjunto dos membros do Governo” consubstancia uma norma “legal determinativa de condições para a limitação temporária da liberdade de movimentos dos visados, suscitando a defesa constitucional da liberdade física da pessoa humana”.

Em declarações ao jornal Público, o constitucionalista Vitalino Canas considera que este acórdão constitui um “revés enorme em relação ao que o Governo já fez e o que o pretende fazer”, principalmente no que diz respeito à lei de emergência de sanitária que fica agora “ferida de morte”. O Tribunal Constitucional já tinha manifestado a sua oposição em termos formais relativamente ao facto de serem resoluções do Conselho de Ministros — um ato administrativo — a decretar os isolamentos, mas este acórdão vai ainda mais longe.

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Vitalino Canas considera a decisão “provavelmente polémica”, assim como “excessiva, maximalista e demasiado rígida”. Se a posição dos três juízes for doravante adotada pela íntegra dos magistrados no TC, o constitucionalista avisa que isto significa que qualquer projeto de lei de emergência sanitária será inviabilizado no futuro.

Por sua vez, a constitucionalista Teresa Violante reforça, em declarações ao mesmo jornal, a importância deste acórdão, já que “é a primeira vez que o TC se pronuncia sobre a questão material”. Apela, no entanto, a que se interprete esta decisão com “cautela”, uma vez que pode não ser a posição dos 13 juízes que integram o Tribunal Constitucional.

O acórdão de secção foi subscrito por José Eduardo Figueiredo Dias, Assunção Raimundo e por Mariana Canotilho, que deixou uma declaração de voto, afastando-se no “no essencial, da fundamentação, por motivos a desenvolver em sede de jurisprudência futura”. Em contrapartida, o vice-presidente do TC, Pedro Machete, discordou por completo da decisão.