Afinal, o que é que aconteceu na reunião entre a procuradora e os inspetores da PJ que foram ouvidos no julgamento de Rui Pinto? É para responder a essa pergunta — entre outras — que dois inspetores da Polícia Judiciária (PJ) voltam a ser ouvidos em tribunal. Ambos negaram terem sido afinadas “estratégias” sobre o que iria ser dito por cada um dos inspetores, no julgamento do caso Football Leaks.
Não foram afinadas estratégias. Foram prestados esclarecimentos técnicos que tinham a ver com provas do inquérito. A minha participação na reunião foi muito breve e fui dispensado muito cedo”, afirmou o inspetor Hugo Monteiro, naquela que é a 48.ª audiência.
Hugo Monteiro explicou ainda que chegou “atrasado” e, quando entrou na sala de reuniões na PJ, “as pessoas já estavam sentadas”. Acabou por sair pouco depois porque o inspetor Rogério Bravo lhe disse que “não era necessária” a sua “presença”. “Não tive participação ativa na reunião”, acrescentou.
Esta reunião foi revelada na sessão de dia 22 de abril, quando a inspetora Aida Freitas — que não esteve nesse encontro — mostrou em tribunal um email com essa convocatória. Nesse email, o inspetor que liderou a investigação e que vai também ser ouvido esta quinta-feira, José Amador, escrevia que o objetivo era “afinar a estratégia de inquirição” entre os vários inspetores. Esta revelação levou a que a defesa pedisse o afastamento da procuradora — o que foi recusado.
Também José Amador, o outro inspetor que foi novamente ouvido esta quinta-feira, negou ter havido qualquer coordenação com a procuradora, que foi quem pediu que a reunião fosse marcada para esclarecer “dúvidas técnicas” — o que, para o inspetor, é “normal”: “É normal haver procuradores com dúvidas, que nos convocam para esclarecer essas dúvidas”.
Fi-lo sem qualquer reserva mental, sem qualquer objetivo transcendente, sem qualquer malícia. Não há aqui nenhuma estratégia. Há uma reunião com partes intervenientes no inquérito que pretendem ver esclarecidas dúvidas. Não queria afinar nada”, vincou.
Os advogados de Rui Pinto insistiram em saber mais concretamente o que aconteceu nessa reunião, nomeadamente que dúvidas tinha a procuradora Marta Viegas acerca do processo. Mas o inspetor José Amador, não conseguiu clarificar o tribunal. “Como os arguidos têm direito ao silêncio, as testemunhas têm direito a não se lembrar das coisas“, atirou o advogado Francisco Teixeira da Mota. A advogada que representa o Sporting também questionou por que razão a procuradora não retirou as suas dúvidas no julgamento. “Assim estávamos todos em éde igualdade”, disse.
A defesa de Aníbal Pinto também não ficou convencida e pediu ao tribunal que fossem extraídas certidões para que a atuação dos dois inspetores fossem investigadas. Os juízes admitiram o pedido e agora o Ministério Público vai decidir se existem ou não indícios suficientes para abrir um inquérito aos inspetores.
Hugo Monteiro é um dos dois únicos inspetores que estiveram presentes, secretamente, no encontro, supostamente marcado para negociar quantos milhões estaria a Doyen a pagar em troca da não divulgação de documentos sobre a empresa que o alegado hacker teria em sua posse, viria a ser uma das provas mais importantes e mais sólidas para acusar Aníbal Pinto e Rui Pinto do crime de tentativa de extorsão. Hugo Monteiro já esteve em tribunal duas vezes — uma para a primeira inquirição e outra para uma acareação com a inspetora Aida Freitas, na sequência de divergências nos depoimentos prestados —, mas voltou esta quinta-feira a pedido da defesa de Aníbal Pinto. Também na sessão desta quinta-feira, Hugo Monteiro esclareceu alguns pormenores sobre o encontro.
Rui Pinto termina consultar emails roubados no final de agosto. Julgamento retoma em setembro
Rui Pinto ainda está a analisar os emails que foram encontrados num dos discos externos apreendidos ao alegado hacker na Hungria, mas a análise deverá estar concluída em agosto, segundo confirmaram os seus advogados. A consulta dos emails alegadamente roubados está a decorrer nas instalações da PJ, com supervisão desta força policial.
O julgamento, que dura desde setembro de 2020, retoma assim depois após o período de férias judiciais, nomeadamente a 12 de setembro. O tribunal já marcou sessões até
Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à Procuradoria-Geral da República. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal Amadeu Guerra e o advogado José Miguel Júdice. Estão, assim, em causa 68 crimes de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.
O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril de 2020, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juíza Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas —, decidiu colocá-lo em liberdade.