Lágrimas, abraços sentidos, mais lágrimas, mais abraços sentidos, uma festa que parecia estar há muito prometida mas que todos os anos acabava por ser cancelada por um qualquer azar de prova. Se dúvidas ainda existissem sobre o domínio da Jumbo-Visma na Volta a França, mesmo perdendo Primoz Roglic e Steven Kruijswijk a meio do caminho, o último contrarrelógio entre Lacapelle-Marival e Rocamadour foi mais uma demonstração de poderio da equipa neerlandesa frente aos rivais: Jonas Vingegaard, líder da prova, teve tempos intermédios mais rápidos, sofreu depois um susto numa descida e acabou por tirar o pé do acelerador para dar a vitória ao companheiro Wout van Aert; o belga, sentado numa sala à espera de saber quem ganhava, foi o primeiro a ir cumprimentá-lo e não conteve a emoção pela atitude.

Pensou desistir porque nunca ganhava, teve uma grave lesão, trabalhou numa fábrica de peixe, é o rei do Tour: a ascensão de Jonas Vingegaard

“Estou emocionado. Ganhar a Volta a França enquanto equipa é muito especial e, hoje [sábado], foi o cenário de sonho. O Jonas é um tipo tão forte, mas, sobretudo, é uma pessoa mesmo boa. Eu quero ganhar corridas e esperava vencer a etapa e que o Jonas pudesse defender a amarela. Aparentemente, ele tem um coração tão grande que pensou o mesmo. É especial”, comentou Wout van Aert no final de uma etapa, a penúltima do Tour, que teve Tadej Pogacar, bicampeão em título, na terceira posição depois do grande momento do Tour quando o dinamarquês esperou pelo esloveno depois de sofrer uma queda.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Esta vitória no Tour significa tudo. É realmente incrível. É difícil para mim descrevê-lo em palavras. É a maior vitória no ciclismo. E nós conseguimos. Claro que acho que todos estávamos a pensar no que aconteceu há dois anos no contrarrelógio. Não diria que estava com medo disso mas, pelo menos, estava nas nossas cabeças. Não queríamos que acontecesse novamente, por isso, só queríamos lutar pelo melhor resultado possível na etapa. Toda a equipa foi incrível. Mostra quão próximos somos todos dentro da equipa. É o mais especial que temos aqui. Toda a gente fica tão contente pelos outros e eu também estou muito feliz por o Wout ter vencido. Estes tipos são verdadeiramente meus amigos, irmãos diria”, destacou Jonas Vingegaard, que contou com a namorada e a filha na meta final para a celebração final.

“Amadureci, cresci. Creio que tudo isso me ajudou a ganhar o Tour. Duelo com Pogacar? Temos uma boa relação, não nos encontramos fora das corridas mas respeitamo-nos. É um grande tipo e um dos melhores ciclistas do mundo. Sei que vai querer voltar a ganhar mas eu também. Estou orgulhoso daquilo que conseguimos mas não me vou conformar. Quero ganhar mais. Não sei quantas vezes vou vencer o Tour] Não estabeleço objetivos mas sei que quero voltar a lutar pela vitória e imagino que o Tadej também, por isso, vamo-nos enfrentar novamente. Dificuldades na edição de 2022? O dia do pavé foi complicado. Saltou-me a corrente e tive vários momentos de pânico. Foi o único dia difícil. No resto, as coisas saíram tal como tínhamos planeado”, acrescentou o dinamarquês que terminou com duas vitórias em etapas.

A vitória estava garantida, a festa da consagração na chegada aos Campos Elísios, em Paris, já se preparava. Numa etapa sobretudo para rolar, aproveitar e no final deixar a vitória para os homens do sprint, a Jumbo-Visma tinha tudo preparado para o momento que tanto aguardava. No entanto, uma pergunta acabou por incomodar os responsáveis da equipa e os corredores: teria havido ajudas suplementares na vitória? 

“Não quero responder a essa questão, é uma pergunta de m****. Fazem-na sempre que alguém ganha o Tour. Quer dizer que agora, quando te exibes neste nível, temos sempre de nos defender? Não entendo. Trabalhámos imenso para isto e o ciclismo mudou. Não gosto de ter sempre de estar a responder a estas coisas. Temos de passar por testes todo o ano, não apenas no Tour, vão até às nossas casas. Não ‘aterrámos’ aqui vindos do nada”, respondeu de forma mais exaltada o belga Wout van Aert à questão.

“Estamos totalmente limpos, todos! E posso dizê-lo a todo vós. Nenhum de nós está a tomar coisas ilegais. Creio que somos tão bons pela preparação que temos. Levamos os estágios em altitude para outros níveis e tudo o resto. Os materiais, a comida, o treino. Creio que a equipa é a melhor. É por isso que têm de confiar em nós”, salientou de uma maneira mais ponderada mas igualmente afirmativa Jonas Vingegaard.

O dia passou e este domingo, numa tirada mais curta e menos sinuosa do que todas as outras, era altura de festa. Festa mas, claro está, com espectáculo à mistura. E, de forma surpreendente, Wout van Aert descolou do pelotão numa fuga onde levou consigo Jonas Vingegaard e Tadej Pogacar. Não durou muito mas teve o condão de animar o dia que teve os habituais copos de champanhe em ação na Jumbo-Visma, com todos os corredores a brindarem não só entre si mas também com todos os elementos da equipa nos carros de apoio, mostrando o ambiente que se fez sentir ao longo de três semanas que a equipa há muito procurava. Jasper Philipsen acabou como o último vencedor de uma edição onde Pogacar perdeu pela primeira vez uma prova por etapas um ano e meio depois e Vingegaard confirmou que é um caso sério no futuro, sempre apoiado numa equipa muito compacta que fez questão de ficar para trás e cortar junta a meta.