Três dias depois de o Observador ter noticiado um caso de uma denúncia de abuso sexual que o atual patriarca de Lisboa não comunicou às autoridades policiais, D. Manuel Clemente decidiu escrever uma carta aberta que publicou no site do Patriarcado de Lisboa para “esclarecer” aquilo que diz serem “equívocos e perplexidades” dos últimos dias. Nesta carta, o bispo — que recusou uma entrevista ao Observador e respondeu num parágrafo às 11 questões enviadas — explica agora que quando reuniu com a vítima, naquele ano de 2019, não entendeu tratar-se de uma “renovada denúncia da feita em 1999” e que o seu antecessor [D. José Policarpo] tinha já afastado o padre visado da paróquia onde estava nomeado para servir uma capelania hospitalar. Considerou, assim, que com o afastamento do padre da paróquia o caso tinha ficado resolvido.

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D. Manuel Clemente diz ainda que quando assumiu as funções de patriarca, em 2013, foi ele próprio que marcou encontro com a alegada vítima, mas que este encontro foi adiado a pedido da mesma. Mas, voltou a insistir, quando regressou do Encontro dos Presidentes das Conferências Episcopais da Europa sobre o tema “A proteção dos menores na Igreja”, promovido pelo Papa Francisco em Roma, em 2019. E que se se tivesse tratado de uma nova queixa contra o mesmo padre, e não apenas de uma partilha do testemunho por parte da vítima, teria agido de outra forma. “Se assim tivesse sido, a mesma teria sido remetida à Comissão Diocesana, criada por essa altura, e teriam sido cumpridos todos os procedimentos recomendados à data”, admite, embora recorde “que as regras e recomendações de 16 de julho de 2020”, que obrigam à denúncia às autoridades civis “são posteriores”.

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Mais uma vez sublinha que nada fez porque a suposta vítima lhe pediu. Tal como o Observador referiu, o denunciante pediu o anonimato, dizendo contudo que o que desejava era que não acontecesse a outros o que lhe tinha acontecido a si, o que D. Clemente confirma. “A sua preocupação era a não haver uma repetição do caso, sem desejar de forma expressa, a sua divulgação”, diz, lamentando o sofrimento que estas situações provocam às vítimas. O patriarca garante que não lhe chegou mais nenhuma queixa em relação a este sacerdote. E que até à data já reencaminhou três denúncias para a Comissão Diocesana, uma delas referente a um padre de um colégio que partilhou vídeos impróprios com um grupo de alunos, como o Observador também noticiou.

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O patriarca de Lisboa não refere na sua carta a associação privada que foi criada por este padre e que o colocava em contacto direto com todos os fiéis, funcionando quase como uma paróquia paralela não controlada pelo direito canónico, mas de que a Igreja tinha conhecimento. O bispo admite contudo “que este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado, não correspondem aos padrões e recomendações que hoje todos queremos ver implementados“.

Veja aqui, na íntegra, a carta aberta publicada esta manhã de sexta-feira no site do Patriarcado de Lisboa.

“Atendendo aos muitos equívocos e perplexidades que tenho constatado em torno dos relatos sobre o doloroso caso denunciado em 1999, penso ser importante ajudar a esclarecer o que na verdade testemunhei.

O cuidado e a preocupação pelas vítimas é o que nos deve mover principalmente neste assunto e levar-nos ao seu encontro. Lamento todo o sofrimento que esta situação possa provocar a esta vítima em especial e a todas as outras que conhecemos ou não.

O meu antecessor acolheu e tratou o caso em questão tendo em conta as recomendações canónicas e civis da época e o diálogo com a família da vítima. O sacerdote foi afastado da paróquia onde estava e nomeado para servir numa capelania hospitalar.

Uma vez patriarca, marquei um encontro com a vítima, encontro esse que foi adiado a pedido da mesma. Em 2019, regressado do Encontro dos Presidentes das Conferências Episcopais da Europa sobre o tema «A proteção dos menores na Igreja» promovida pelo Santo Padre em Roma, sobre a temática dos abusos, pedi um novo encontro à vítima, com quem conversei presencialmente. A sua preocupação era a não haver uma repetição do caso, sem desejar de forma expressa, a sua divulgação.

Não entendi, como não entendo hoje, ter estado perante uma renovada denúncia da feita em 1999. Se assim tivesse sido, a mesma teria sido remetida à Comissão Diocesana, criada por essa altura, e teriam sido cumpridos todos os procedimentos recomendados à data. Recordo que as regras e recomendações de 16 de julho de 2020 são posteriores.

Em relação ao sacerdote em causa, o mesmo foi acompanhado e até à atualidade nunca houve qualquer denúncia ou reparo sobre o seu comportamento moral. Nunca ninguém comunicou, nem sob anonimato, qualquer acusação. Aliás, as medidas cautelares previstas para estes casos visam sobretudo a proteção de possíveis futuras vítimas, o que pode estar acautelado, em especial quando, passados anos, nunca mais houve denúncias nem indícios.

Aceito que podemos e devemos fazer sempre melhor. Desde a primeira hora que no Patriarcado de Lisboa dei instruções para que a Tolerância Zero e a Transparência Total sejam regra conhecida de todos.

Aceito que este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado, não correspondem aos padrões e recomendações que hoje todos queremos ver implementados.

Temos, desde o início da criação da Comissão Diocesana, a primeira no país, tentado cumprir e fazer cumprir todas recomendações civis e canónicas.

Até à data foram encaminhadas à Comissão Diocesana do Patriarcado de Lisboa, por mim ou diretamente pelas vítimas, 3 denúncias. A primeira foi acompanhada pela diocese de Vila Real, a segunda está neste momento a corresponder ao que o Dicastério para a Doutrina da Fé decidiu, após as recomendações que a nossa Comissão me deu. Mal tenhamos o desfecho sobre a mesma, será divulgado. A terceira e mais recente que envolve mensagens inapropriadas e enviadas por WhatsApp está também em apreciação pela Comissão, que já me fez recomendações a que dei imediato seguimento.

Quanto a outras denúncias que possam existir, não temos conhecimento, mesmo aquelas a que a Comissão Independente se refere.

Que ninguém tenha medo de denunciar. Nas Comissões Diocesanas, na Comissão Independentemente, na PGR, na PJ, aos media, onde e junto de quem se sentirem mais seguros.

Peço a Deus que encoraje, fortaleça e proteja os que nas suas vidas tenham sofrido estes crimes.

Desejo ter ajudado cada leitor desta carta a aproximar-se da verdade que todos desejamos. Verdade que as vítimas nos exigem e merecem”.

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Nota: Artigo corrigido às 15h. A versão anterior interpretava erradamente uma expressão da carta aberta de D. Manuel Clemente relativa ao facto de o cardeal patriarca não ter considerado a reunião com a vítima uma “renovada denúncia da feita em 1999”.