O grupo Pluris, de Mário Ferreira, anunciou a renúncia ao empréstimo que tinha garantido do Banco de Fomento ao abrigo do fundo de capitalização. O empréstimo era de 40 milhões de euros. Mas, para fazer face à sua situação, garante que terá de realizar um aumento de capital de 80 milhões de euros, obrigando à venda de ativos.

Num extenso comunicado assinado por Mário Ferreira, enviado através de uma agência de comunicação, é anunciado que o grupo Pluris “recusa qualquer cêntimo do PRR” (Plano de Recuperação e Resiliência) e pediu o cancelamento do pedido de empréstimo. O contrato ainda não estava assinado.

“A forma de estar do Grupo Pluris obedece a princípios e valores que tanto Ana Gomes – que enquanto cidadã é arguida em vários processos –  e da Deputada Catarina Martins – ela mesma protetora do maior escândalo de especulação imobiliária protagonizado por um político no nosso país -, nunca conheceram informa o Grupo Pluris que, apesar de ter formalizado a candidatura ao instrumento de recapitalização disponibilizado pelo Estado Português, em 24 de Fevereiro de 2022, e de a mesma ter sido aprovada pelo Banco Português de Fomento, no passado dia 30 de Junho de 2022, recusa qualquer cêntimo do PRR e que solicitou hoje o cancelamento do pedido de empréstimo ao Banco de Fomento. “

Contactado pelo Observador, o Banco de Fomento diz não ter qualquer comentário sobre esta candidatura específica, mas esclarece que “qualquer empresa com uma candidatura aprovada pode abdicar de contratualizar a mesma no valor total ou parcial, o que faz com o que o montante ‘cativo’ por via da aprovação deixe de o estar”. A contratualização das outras candidaturas aprovadas nesta janela B “encontra-se em curso”, diz ainda o Banco de Fomento.

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Porque não irá receber este empréstimo de 40 milhões de euros do PRR o grupo diz que, por via da “quase completa paragem da atividade da sua participada Mystic Invest Holding” durante as restrições por causa da Covid-19 que “limitou de forma extremamente gravosa a geração de receitas durante a fase crítica da pandemia”, o que conduziu à “fortíssima deterioração dos níveis de capitais próprios do grupo, entre dezembro de 2019 e dezembro de 2021, num valor superior a mais de 60 milhões de euros”, o grupo vê-se obrigado a realiza um aumento de capital em 80 milhões de euros que será feito com fundos próprios.

O aumento de capital “ocorrerá durante a próxima semana”, devendo o grupo “vender alguns dos ativos detidos pela Pluris Investments”, não identificando os ativos. Ao Observador fonte ligada ao empresário diz que os ativos “são variados e no estrangeiro”.

Explica que esse aumento de capital é necessário para fazer face aos investimentos em curso. “Através das suas diversas participadas de rio e mar, agregadas na Mystic Invest Holding SGPS SA, o Grupo é proprietário de três navios da classe Expedition, assim como de um navio oceânico de transporte de passageiros o Vasco da Gama, sendo que até ao final do corrente ano será colocado em operação um quarto navio da classe Expedition, atualmente em fase final de construção nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo”.

A polémica estalou quando o Banco de Fomento anunciou que nos primeiros empréstimos decididos sobre o fundo de capitalização teria uma tranche de 40 milhões de euros garantida para a Pluris, de Mário Ferreira, que, além dos ativos ligados ao turismo, é também detentor de uma participação (é o maior acionista) na TVI. Ou seja, de 76,7 milhões de euros decididos, Mário Ferreira receberia 40 milhões.

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Nesse comunicado, Mário Ferreira, ainda que dizendo prescindir do empréstimo, realça que o Grupo Pluris “cumpre com todos os requisitos definidos pela Comissão Europeia para aceder aquela tipologia de linha, como é no seu entendimento fundamental para a sua cadeia de valor, manter o seu plano estratégico de investimento, o controlo da operação naval em mãos portuguesas, assim como contribuir para a incorporação de mais de 60% de produtos nacionais na construção dos seus navios, ao mesmo tempo contribuir como maior cliente, para a garantia e utilização dos Estaleiros de Viana do Castelo que mantém mais de 1.000 postos de trabalho.” Diz ainda que o grupo emprega diretamente mais de 1.800 trabalhadores, que têm uma massa salarial de mais de 50 milhões de euros.

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O ataque de Mário Ferreira à ex-deputada europeia Ana Gomes e à deputada bloquista Catarina Martins.

“Tanto a senhora deputada Catarina Martins como a senhora embaixadora Ana Gomes proferiram declarações insultuosas, fora de contexto, populistas e demagógicas – escudadas em insinuações para evitarem processos judiciais – sobre as razões da atribuição desse empréstimo, sem nunca cuidarem de saber da verdade dos factos, sem nunca questionarem o conselho de administração do grupo Pluris”.

E deixa um recado: “Estranha-se que tanto Ana Gomes como Catarina Martins não se tenham preocupado com o fato de 323 milhões de euros dessa mesma linha não terem sido utilizados e que estejam em risco de ter de ser devolvidos a Bruxelas sem que qualquer empresa portuguesa deles beneficie”.

E o restante dinheiro do fundo?

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Mário Ferreira deixou a questão sobre o restante do fundo de capitalização. É que este é dotado de um total de 400 milhões de euros e o Banco de Fomento, na chamada janela B, só decidiu sobre 76,7 milhões de euros.

Faltavam decidir os restantes 323,3 milhões de euros, que agora passam a 363,4 milhões de euros (com os 40 milhões da candidatura de Mário Ferreira) para a designada janela A.

O Banco Português de Fomento (BPF) explica que esta janela tem como prazo de candidatura o dia 31 de dezembro, “podendo ser prorrogado mediante decisão da Entidade Gestora, de acordo com o disposto na Política de Investimento do FdCR”. Segundo fonte oficial, o BPF “está já a analisar várias candidaturas que serão anunciadas à medida que forem sendo aprovadas”.

Caso o Programa não se esgote, o Fundo de Capitalização e Resiliência, nos termos do PRR, “pode investir diretamente em empresas até ao final de 2023 ou através de intermediários financeiros até 2025”.

Já depois deste comunicado, Catarina Martins, no Twitter, reagiu, dizendo que as declarações não respondem às questões levantadas: “Porque pediu e como lhe foi aprovado um apoio quatro vezes acima da referência do Banco de Fomento? E até levanta outras questões: se não precisava, porque é que pediu?”

Já Ana Gomes, também visada no comunicado de Mário Ferreira, respondeu com um lacónico: “sem comentários”.

(notícia atualizada com as reações de Catarina Martins e Ana Gomes e com a posição do Banco de Fomento)