O antigo ministro do Emprego e da Segurança Social Silva Peneda defendeu esta quarta-feira que a descentralização “transformou-se numa grande salgalhada” que prejudica o processo de regionalização, “indispensável para o país”.

Em entrevista à Lusa, o também ex-secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional considerou que “há falta de coragem” para avançar com a regionalização e apontou como problema a “partilha de poderes” que o processo implica porque, disse, “há pessoas na capital que não querem perder poder”.

Acho que o processo [de descentralização] foi mal conduzido, pouco cuidado na sua preparação, não houve um esforço de diálogo consistente com os municípios e, portanto, transformou-se numa grande salgalhada e numa grande confusão”, analisou.

Para o antigo governante “não é possível dar um sinal muito positivo” à forma como o processo de descentralização decorreu porque, disse, “criou mais confusão do que satisfação”.

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Silva Peneda lamentou o “mau exemplo” que a descentralização está a ser, salientando o processo regionalista não pode ser feito da mesma forma que a atual transferência de competências.

A regionalização significará que as funções a transferir vão ser mais pesadas que na descentralização. Se para estas já foi o que foi e está a ser tão complicado o processo, eu julgo que se forem utilizados os mesmos métodos e se for conduzido pelas mesmas pessoas, estou convencido que vai ser uma grande confusão novamente”, disse.

“Objetivamente, acho que a forma como correu e está a correr a transferência de competência para os municípios prejudica o processo de regionalização”, declarou.

Questionado sobre a posição do novo líder do PSD sobre o referendo à regionalização, o ex-governante disse compreender Luís Montenegro, admitindo que um “referendo agora poderia ser precipitado”.

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No encerramento do 40.º Congresso do PSD, em julho, Luís Montenegro considerou que “não é adequado” que se faça um referendo à regionalização em 2024, devido à grave situação internacional e às consequências económicas e sociais que estão a atingir os portugueses.

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Fazer um referendo neste quadro crítico e delicado seria uma irresponsabilidade, uma precipitação e um erro. Os portugueses não compreenderiam. Tenhamos as noções das prioridades”, afirmou então o líder do PSD.

Defensor “convicto e de longa data” da regionalização, Silva Peneda lembrou que a discussão sobre a regionalização “não é nova”, já vem do tempo de Alexandre Herculano, e que “sempre houve quem pensasse que o país é melhor governado através de uma estrutura fortemente centralizada e as províncias e os pacóvios servem para poucos mais”.

A Galiza, a Madeira e os Açores são, para o ex-ministro de Cavaco Silva, bons exemplos dos benefícios daquela forma de organização administrativa e que o facto de Portugal ser um “país de território pequeno não é argumento para travar” a regionalização.

“A Galiza, antes da regionalização [em Espanha], era mais pobre do que a região Norte de Portugal, onde está a Galiza hoje? Veja os Açores e a Madeira, se não houvesse a regionalização e se não houvessem órgãos regionais, a Madeira e os Açores estariam como estão hoje? Só foi possível porque houve uma estrutura regional capaz de coordenar esforços adaptados à realidade local”, explicou.

A “partilha de poder”, que segundo Silva Peneda a regionalização implica, é um dos problemas.

Há pessoas que não acreditam que o poder possa ser distribuído. A regionalização é uma partilha de poderes e quando há partilha há quem ganhe e quem perca. Neste momento há pessoas que estão na capital que não querem perder poder, querem ser eles a decidir tudo”, referiu.

“Portanto [a regionalização] é um problema essencialmente político e de partilha de poder”, concluiu.

O Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) assinaram, a 22 de julho, um acordo para a transferência de competências da administração central para as autarquias, depois de meses de contestação ao processo por parte de alguns autarcas, nomeadamente do presidente da Câmara do Porto, que acabou por levar o município portuense a abandonar, em maio, aquela associação.

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As negociações entre o Governo e a ANMP atrasaram-se em áreas como a Educação, a Saúde e a Ação Social, que envolviam a transferência de funcionários, equipamentos e, em consequência, montantes financeiros, com as verbas a transferir a serem o ponto central das dificuldades, uma vez que eram consideradas insuficientes pelos municípios.

O atraso da publicação dos diplomas levou à prorrogação do prazo para que os municípios assumissem definitivamente estas competências, de 1 de janeiro de 2021 para 31 de março de 2022. No caso da Ação Social, como o diploma setorial foi publicado já este ano, o prazo foi prorrogado até ao final deste ano.

Além da Educação e Saúde, foram transferidas competências em 17 áreas: Cultura, Habitação, Justiça, Atendimento ao Cidadão, Gestão do Património Imobiliário Público, Vias de Comunicação, Praias, Áreas Portuárias, Transporte em Vias Navegáveis Interiores, Cogestão de Áreas Protegidas, Proteção Civil, Policiamento de Proximidade, Segurança Contra Incêndios, Estacionamento Público, Jogos de Fortuna e de Azar, Arborização e Rearborização e Associações de Bombeiros.