Os resultados da qualificação pareciam não deixar grande margem para surpresas. Jessica Schilder, neerlandesa que foi medalha de bronze nos Mundiais de Pista Coberta e fez um bom registo nos Mundiais de Eugene ao Ar Livre, esteve modesta. Fanny Roos, sueca que ficou com a prata nos últimos Europeus de Pista Coberta, ainda mais. Sara Gambetta, alemã a lançar em casa, mais ainda. Tendo sido a única a lançar acima dos 19 metros, Auriol Dongmo era uma candidata inevitável às medalhas e a favorita a ganhar o ouro a não ser que Schilder voltasse aos registos dos EUA em julho. Para a lançadora, nada disso contava.

Mal deu para o aquecimento: Auriol Dongmo entra, lança e está na final do peso nos Europeus (que se realiza esta noite)

Por causa da pandemia, Auriol Dongmo teve um ciclo de um ano e meio sem parar em busca de pódios, de medalhas e de vitórias. Deixando agora de parte as provas nacionais e competições da Liga Diamante (onde terminou 2021 na segunda posição) ou Taça da Europa de Lançamentos, a lançadora começou por ganhar os Europeus de Pista Coberta em março de 2021, teve depois uma grande deceção com o quarto lugar nos Jogos Olímpicos muito perto do bronze em agosto de 2021, conquistou com recorde nacional o ouro nos Mundiais de Pista Coberta em março deste ano e não passou da quinta posição nos Mundiais ao Ar Livre no último mês. Seguiam-se os Europeus e a possibilidade de fechar este período com chave de ouro. 

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Caiu mas não vacilou: Auriol Dongmo conquista no peso a primeira medalha de ouro de Portugal nos Europeus de Pista Coberta

“Preciso de trabalhar mais a minha técnica, que ainda tem alguns problemas, e depois espero bombar nos Europeus. Já fiz ouro uma vez nos Europeus, posso fazer outra vez”, tinha comentado há duas semanas, depois de uns Nacionais por equipas onde ficou muito aquém a nível de marca mas a ganhar o peso para ajudar o Sporting a ganhar pela 12.ª vez consecutiva o título no feminino. “Antes dos Europeus, vou fazer a Liga de Diamante. Nos Europeus também, vou lá tentar uma medalha. É uma competição diferente, com muitos adversários, muito fortes, e dá mais vontade para lutar”, destacara na antevisão.

A única promessa que Auriol fez foi ter fé no seu trabalho. Não chegou. “Este é o pior lugar, a coisa mais horrível da minha vida…”

Aos 32 anos, a competição em Munique era de facto mais uma oportunidade para chegar ao pódio antes do final do caminho de “normalização” do calendário internacional tendo em vista também o ciclo olímpico mais curto até Paris-2024 (Istambul tem os Europeus de Pista Coberta, Nanjing terá os Mundiais de Pista Coberta, Budapeste recebe os Mundiais ao Ar Livre em agosto de 2023). E esse pódio nunca pareceu estar em causa. No entanto, a luta pela medalha de ouro trouxe dados que não se estavam à espera.

A redenção depois da “coisa mais horrível da vida”: Auriol Dongmo sagra-se campeã mundial de Pista Coberta

Jessica Schilder começou logo a final com um lançamento a 19,47, passando na primeira ronda para a liderança com alguma vantagem em relação a Auriol Dongmo, que se ficou pelos 19,29. A luta parecia que ia ficar resumida às duas atletas, tendo em conta as marcas baixas que se seguiram até de atletas como Fanny Roos ou Sara Gambetta, mas a fasquia estava colocava num patamar até inesperado para a própria luso-camaronesa, com a neerlandesa a bater o recorde nacional com 20,24. A tarefa de Auriol Dongmo complicava-se mas o segundo ensaio, batendo o recorde ao Ar Livre de 19,82, não fechava as contas. O “corte” foi feito com um 19,01 mais modesto que deixava tudo adiado para os últimos três ensaios, já sem Jéssica Inchude que ficou a nove centímetros de entrar nas oito melhores da classificação (17,93).

A segunda parte do concurso não traria grandes alterações na classificação, com Auriol Dongmo a ter tentativas a 19,46 e 19,52 depois de um nulo. Jessica Schilder, que não voltou sequer um ensaio próximo dos 19,47 com que começara, sagrou-se campeã europeia tendo a compatriota Jorind van Klinken com a medalha de bronze (18,94), à frente de Fanny Roos (18,55) e Sara Gambetta (18,48). Estava assim confirmada a primeira medalha de Portugal nestes Europeus de Munique logo no dia de estreia.